CARTAS DE UM OUTRO MATOSINHOS

CARTAS ANTERIORES

 


Isabel Lago

Queridos amigos
No último mês, por motivos de saúde, foi-me completamente impossível enviar-vos a minha costumada carta. Do facto peço desculpa e espero que compreendam o sucedido

Itapecerica e Pedra do Indaiá - Minas Gerais (um caso enigmático)

Na fase final das minhas investigações apareceu-me na Internet uma referência ao Bom Jesus de Matosinhos como primeiro padroeiro de Itapecerica, cidade localizada na região de Formiga, no Centro/Oeste de Minas Gerais. Segundo esse texto

No ano de l676, quando Lourenço Castanho Taques abria clareiras, em luta com os índios cataguases, e, em 1739, o Guarda-Mor Feliciano Cardoso de Camargos e o Capitão Estanislau Toledo e Pisa descobrem ouro, no Ribeirão do Rosário e de Tamanduá, e que fazem as primeiras choças, denominando a paragem de “Casa da Casca do Tamanduá”.
Sob a benção do Senhor Jesus de Matozinhos cresceu a povoação, sendo, em 18 de junho de 1744, instalada a 1.ª Câmara, sob a jurisdição de São João d’ El-Rey.
Contudo, os sertões da picada de Goiás estavam infestados de animais peçonhentos, motivos por que se trocou o nome do padroeiro, e o povoado foi elevado à freguesia de São Bento do Tamanduá, em 15 de fevereiro de l757 .
Perante esta informação, iniciei mais uma paciente busca de contactos para obter pistas que me confirmassem a veracidade do texto. Quando julgava vãos todos os meus esforços, recebi duas respostas com informações preciosas. A primeira veio da mão do Reverendo Bispo Auxiliar de S.Paulo, D. Gil Moreira, natural daquela cidade mineira. Diz o seguinte:

Prezada Sra.Isabel,

Com muito prazer dou-lhe a informação pedida (...)

De fato, o primeiro orago de Itapecerica-MG, à epoca chamada Tamanduá, foi Sr. Bom Jesus de Matosinhos. Somente mais tarde, julgo que pelos anos de 1735 ou 40, foi dado ao local, como Padroeiro, São Bento Abade, por causa do aparecimento de muitos ofídios, animais peçonhentos que causavam a morte de tantos vindouros. Certo é que aos 15 de fevereiro de 1757 foi criada a Paróquia com o título de São Bento do Tamanduá, desmembrada da Paróquia de São José del Rey (hoje cidade de Tiradentes)

Como fontes, podemos citar: História Sucinta da Fundação da Matriz ...(1913), de autoria de Mons. Cerqueira, pároco e natural da cidade (1850-1932), que, com base em livro de tombo paroquial, dá a notícia da fundação do lugar, no sertão do Tamanduá, tendo como padroeiro o Sr. Bom Jesus de Matosinhos. Já o historiador mineiro Waldemar de Almeida BARBOSA, in Dicionário Hist.e Geog. de Minas Gerais, (1968, pág. 541), diz que a 18 de junho de 1744 no "lugar denominado São Bento"...foi dada a posse do arraial à Vila de São José del Rey

Esta resposta veio confirmar a veracidade do Bom Jesus de Matosinhos ter sido o primeiro patrono de Itapecerica. Segundo os cânones seguidos na época da ocupação de Minas, é de supor que ali tivesse existido uma igreja ou capela em sua honra o que poderá ter acontecido em finais do XVII, época a que remonta a fundação do primeiro arraial, ou nos alvores do século XVIII.
Um dos amigos que ganhei ao longo deste trabalho, o José Cláudio Henriques de S.João d’El-Rei, interessou-se pelo assunto e conseguiu de pessoa conhecida, cuja família é também original de Itapecerica, a informação que se segue e que menciona a existência, há alguns anos atrás, de ruínas de uma igreja muito antiga e que seria a do Bom Jesus:

... posso assegurar-lhe que já houve uma igreja em Tamanduá dedicada ao Senhor Bom Jesus, que era a matriz do povoado e se situava no alto de um morro sobranceiro ao garimpo que originou a atual cidade, o qual se localizava onde hoje é o bairro da Bagaginha ou Pé Vermelho, antes também chamado Beira-Linha, às margens do Rio Vermelho. Esse morro fica ao lado da capoeira do Padre Herculano. Levado por um amigo já falecido, Ataliba Boaventura, por alcunha Biba, profundo conhecedor da tradição histórica de Itapecerica, subi esse morro, em minha mocidade, e lá ele me mostrou as pedras que, segundo ele, seriam as do alicerce daquela igreja. Muitos anos após é que foi construída a igreja de São Francisco e, posteriormente, a de São Bento, atual matriz, quando a cidade já se firmara no lugar atual

Esta informação relativa a Itapecerica vinha responder a um dos objectivos deste trabalho que era o de identificar povoações cujo patrono tivesse sido ou fosse o Bom Jesus de Matosinhos, mesmo que no local não existisse actualmente nenhuma igreja em sua honra.
E tudo teria ficado por ali não fosse o acaso de me ter aparecido na Internet, por mero acaso, uma página sobre uma povoação, muito próxima de Itapecerica, denominada Pedra do Indaiá sobre a qual se conta uma história que me parece ligar os dois locais entre si e ambos ao culto do Bom Jesus de Matosinhos:

 

PEDRA DO INDAIÁ

A história do município está ligada à Guerra dos Emboabas, nos anos de 1708 e 1709. Segundo a tradição, os paulistas, para se vingarem dos mineiros que os perseguiam, roubam uma imagem de Jesus Crucificado ao passarem por São Bento do Tamanduá, atual Itapecerica. Ao chegarem no alto de um monte, viram-se cercados e, sem condições de fugirem com a imagem, escondem-na junto a uma pedra e partem. Muitos anos depois, a região passou a pertencer a dois coronéis da família Silva. A imagem foi, então, encontrada e ergueram uma capela na divisa das duas fazendas para abrigá-la. A capela foi construída toda em pedra pelos escravos, tendo os altares pintados a ouro. Logo correu a fama da "imagem milagrosa" e muitas pessoas se fixaram no local. O povoado cresceu e recebeu seu primeiro nome de Senhor Bom Jesus da Pedra do Indaiá. Em 1923, passou a se chamar Pedra do Indaiá. Foi elevado a município em 1962, emancipando-se de Itapecerica

Este município está inserido na zona centro-oeste de Minas, distando 160 kms de Belo Horizonte. Situado a 837m de altitude tem uma área de 349,64 kms2. Pelo censo de 1996, sabe-se que tinha 3828 habitantes, dos quais 1690 na área urbana e 2138 na rural. A densidade populacional é de 10,23 hab/km2. A actividade económica dominante é a agro-pecuária.
Apesar dos esforços feitos, por carta e telefone, não consegui contactar a Prefeitura nem o sacerdote responsável pelo Santuário do Bom Jesus de Pedra do Indaiá. No entanto uma funcionária da “Folha da Diocese”, boletim da diocese de Divinópolis a cuja circunscrição pertence o santuário, conseguiu obter e enviar-me uma fotografia daquele templo e informar-me que a festa anual se realiza, à semelhança de Congonhas, entre 10 e 14 de Setembro, dias em que os devotos se reúnem para orar e agradecer ao Jesus graças recebidas e em que são celebradas missas festivas e procissões

Admitindo que a imagem do Senhor Bom Jesus encontrada em Pedra do Indaiá seja a que foi roubada em Itapecerica, durante a guerra dos Emboabas, época em que o padroeiro de Itapecerica ainda era o Bom Jesus de Matosinhos e não S. Bento, esta igreja hipoteticamente fará parte do culto ao nosso padroeiro. Mas como não o posso afirmar com toda a certeza refiro este caso apenas como um dos muitos exemplos em que se verificou a perda dos topónimos Bouças ou Matosinhos facto que me deixa dúvidas sobre a verdadeira extensão do culto ao Senhor de Matosinhos no Brasil

Até Setembro. Um abraço
Isabel Lago

Texto de uma página sobre Itapecerica inserida em orbitabita.starmedia.com/~case11/ita.htm.

O amigo do José Cláudio Henriques é o Snr. José Maurício Penna

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Trata-se de D. Araceli Braga

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