HISTÓRIA REGIONAL

COLUNISTA - Francisco JosE dos Santos Braga


ORATÓRIO SÃO CAETANO DOS SALESIANOS DE DOM BOSCO EM SÃO JOÃO DEL-REI


Por Francisco José dos Santos Braga


Este trabalho é dedicado à memória do projecionista ou operador da máquina de filmagem na sala de cinema do Oratório Festivo São Caetano, Sr. Geraldo Batista de Carvalho, e que nas procissões no Dia de São Caetano fazia as vezes de fogueteiro.

e
Geraldo Batista de Carvalho (✰ 19/07/1913 - ✞ 11/04/1989)




I. INTRODUÇÃO 



Este trabalho não tem a pretensão de demonstrar erudição: não foi feito com a razão, mas com a memória advinda das impressões que ficaram gravadas no coração de uma criança por volta de seus seis anos de idade até por volta de dez anos, quando muito. Isso não quer dizer que tenha sido objetivo deste autor deslustrar a importância de um registro mais cauteloso das gestas e da presença salesiana em São João del-Rei com seus lídimos atores, os quais mereceriam figurar na galeria de homens ilustres da terra são-joanense, de 1936,  mais efetivamente de 1939  até hoje, pelos benefícios prestados. Mas sobre isso já há trabalhos escritos disponíveis na Internet; portanto, caso se decidisse por um trabalho histórico, teria sido chover no molhado e trilhar caminhos já perambulados, abordando datas e fatos já demais conhecidos e pesquisados. Apesar dessa ressalva, será visto um pouco da história da Capela de São Caetano e da chácara à qual pertencia a capela para a compreensão do texto.
Ao lermos as notícias sobre uma grande obra humanitária como o Oratório Festivo São Caetano, que conseguia nos fins de semana retirar da rua milhares de meninos e meninas durante quase quatro décadas  e aqui reside seu grande mérito , costumamos nos ater à história e aos fatos que nos dão a dimensão temporal do empreendimento. Mas sentimos que faltam figuras humanas, sem as quais todas as realizações, por maiores que sejam, carecem de vida. A memória se refresca e reaviva com a experiência e a saudade dos que colocaram o melhor de si no atingimento do sonho do "santo da juventude". É claro que em primeiro lugar é preciso citar os diretores do Oratório, padres, clérigos (do 2º e 3º ano de filosofia) e cooperadores que conduziam as crianças a um porto seguro; em segundo lugar, vinha muita gente que sou obrigado a citar apesar de temer a omissão de algum nome, motivada pela distância no tempo (seguramente uns 60 anos). Inicialmente, menciono o Sr. Geraldo Batista de Carvalho, a quem esse trabalho é dedicado e que era responsável pelo estúdio (transmissão de música e anúncios às 18 horas), pelas sessões de cinema e pela animação da procissão de São Caetano; Sr. Noventa, responsável pela manutenção da gruta; D. Emília e D. Maria do Carmo, responsáveis pela ornamentação e limpeza da capela; Sr. Benjamin (Sô "Beijo"), locutor nas barraquinhas; não podia deixar de lembrar do Sr. Maciel, um idoso que morava numa das dependências do Oratório Festivo. O enfoque neste trabalho é mais modesto porque foca nas impressões que marcaram a infância do autor, despretensiosa e singelamente.
Como este autor não tem acesso aos ipsissima verba de Dom Bosco, também aqui não haverá a pretensão de verificar imprecisões entre os Oratórios Festivos projetados pelo fundador dos Salesianos de Dom Bosco (SDB) e o que o autor frequentou na década de 50 do século passado.



II. UM POUCO DA LONGA HISTÓRIA DA CAPELA DE SÃO CAETANO 



[BURTON, 1976, 122], na sua Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho, no século XIX, registrou em capítulo intitulado "O Norte de São João del-Rei":
“(...) Continuamos nosso caminho, atravessando a Ponte do Rosário, para visitar a parte norte da cidade. À nossa esquerda, estão as ruínas da Igreja de São Caetano, que desmoronou em 1864, ou por aí, e que não foi restaurada. Um bom sinal! Aquele velho adágio, quanto mais perto da igreja mais longe da graça, tem uma significação geral, e, em todo o Brasil, a Idade da Fé deve ser seguida pela Idade do Trabalho; além do mais, estradas construirão igrejas, mas igrejas não farão estradas. A peculiaridade daquele tempo era ter o altar-mor muito maior do que a nave. Um certo Guarda-mor, o comandante local, ordenou ao arquiteto que assim fizesse e obrigou a se calarem os opositores, afirmando: Tudo que é mor, é maior”. A mesma igreja trazia a insolente inscrição: O Rei depende de nós, e não nós dele”. Minha autoridade salienta, a respeito, quão pródigos de fidalguia eram aqueles homens, que, em sua maior parte, reconhecidos plebeus no Velho Mundo, compravam títulos e fundavam famílias no Novo. (...)”
E [SOBRINHO, 2010, 135] registrou uma resolução do Senado da Câmara na Ata de Sessão nº 32, datada de 8 de outubro de 1854, portanto antes da passagem de Burton pela nossa cidade: 
“lembrar à Comissão ter havido antigamente um cemitério por detrás da Capela de São Caetano onde se deve determinar que sejam sepultados os que falecerem da mesma epidemia na enfermaria criada nesse lugar.
Em outro trabalho,  [SOBRINHO, n/d] informa que
pelo ano de 1943, os salesianos fundaram, na Chácara de São Caetano, doada pela benemérita família Nascimento Teixeira ¹, um Oratório Festivo, que por uns 40 anos, tantos frutos bons proporcionou à criançada do Bairro (do Tijuco), e onde surgiu o Grêmio Esportivo São Caetano.
Linkhttps://saojoaodelreitransparente.com.br/works/view/13

[CINTRA, 1988, 12-13], discorrendo a respeito da antiga Rua de São Caetano, nome existente há mais de duzentos anos, atualmente denominada Rua Pe. Questor de Barros, padre salesiano: 
“A 14-9-1737 foi realizado, na Capela de São Caetano, o casamento de Sebastião Silva Teixeira e Gervásia de Gouvea. A nubente era filha do sargento-mor Bernardo Espínola de Castro e de Maria de Godoi Moraes. Testemunhou o ato o capitão-mor Manoel da Costa Gouvea. Cita a Capela de São Caetano o sargento-mor José Álvares de Oliveira, primeiro historiador de São João del-Rei, partícipe da Guerra dos Emboabas e escritor, por volta de 1750, da “História do Distrito do Rio das Mortes”. 
Diogo Bueno da Fonseca, fundador da dita Capela, aparece em 1761 como guarda-mor da Vila de São João del-Rei. Silva Leme informa na monumental “Genealogia Paulistana” que em 1730 tomou posse na Fazenda do Funil, em terras concedidas em sesmaria, Bueno da Fonseca e seus parentes foram antigos povoadores das Lavras do Funil, atual cidade mineira de Lavras.
Diz a tradição que o guarda-mor Diogo Bueno da Fonseca determinou que a capela-mor fosse mais alta do que o corpo da igreja. O mestre-pedreiro, encarregado da obra, ponderou-lhe que a decisão contrariava os mais elementares princípios arquitetônicos. O teimoso guarda-mor retrucou ao mestre declarando: "Tudo que é mor é maior". As ordens do devoto de São Caetano foram obedecidas.
Esclarece o Com. José Antônio Rodrigues na sua obra “Apontamentos sobre o Município de São João del-Rei”, escrita em 1859: “Na mesma igreja existiu um reposteiro na porta lateral, que dava para uma tribuna, comunicada com a casa do guarda-mor, com a inscrição seguinte: “O Rei depende de nós, e não nós dele”.
Em 1762, residia no Morro de São Caetano o guarda-mor José Joaquim da Costa Gouvea. Quando, em 1780, foi construído o Chafariz da Biquinha, o sargento-mor José Joaquim ainda morava no local. Em 1763 o citado guarda-mor solicitou ao Senado da Câmara de São João del-Rei que o seu nome fosse indicado, para o provimento no posto de capitão-mor, vago com o falecimento de seu pai Manoel da Costa Gouvea, que prestou relevantes serviços ao Rei de Portugal. Alegou que era seu tio o 2º Ouvidor da Comarca sediada na Vila; que seu avô materno Pedro de Moraes Raposo foi o 1º Juiz Ordinário da Vila, eleito a 9-12-1713. Foi aberto a 25-2-1783 o testamento do português André da Silva Freire, que morava em Macaia, no Rio Grande. Ali comprara terras do guarda-mor Diogo Bueno da Fonseca, fundador da Capela de São Caetano. Afirmou no testamento que devia 40 oitavas e três quartos ao citado Diogo. Mário Leite, no livro “Paulistas e Mineiros” (1961), assevera, baseado em Carvalho Franco, que Bueno faleceu em 1779. A 12-1789 faleceu Ana Maria de Gouvea, filha do capitão-mor Manoel da Costa Gouvea, “a qual há muitos anos estava demente”. Foi sepultada dentro da Capela de São Caetano. O “Arauto de Minas”, de 24-12-1880, publicou crônica de Severiano de Resende sobre as consoadas de São João del-Rei. Diz num trecho: “Quem às 10 horas da noite passar pelo Tejuco há de ver iluminada a velha chácara de São Caetano, antiga habitação de um célebre Guarda-mor, d’onde partem festivais sons de faceira viola, em harmonia com os de afinada rabeca, de machetes²e pandeiros, misturando-se as vozes dos cantores ao arruído de forte sapateado de mestres batuqueiros e adestradas marchadeiras”. O jornal “Pátria Mineira”, ed. de 28-7-1892 informou: “Sabemos que o ativo comerciante Sr. Manoel Anselmo Alves de Oliveira vendeu por alto preço seu poético chalet do Alto de S. Caetano”. 
Desapareceu o nome da Rua São Caetano, mas a antiga chácara vem obtendo grande valorização imobiliária com o aparecimento do novo bairro denominado “Residencial São Caetano” e do bairro do Guarda-Mor, um pouco mais antigo.”
FonteRevista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-ReiNomenclatura de Ruas de São João del-Rei, Juiz de Fora: ZAS Gráfica e Editora, volume VI, 1988, 12-13

Em 29 de junho p.p. dirigi-me à elevação onde se localizava o Oratório Festivo São Caetano, que no passado era totalmente franqueado à visitação pública. A Rua São Caetano hoje tem o seu nome alterado para Pe. Questor (salesiano). Ao final da rua, cheguei a um portão que estava trancado, com um aviso afixado, recomendando que o visitante se comunicasse com duas pessoas por telefone. Lia-se na placa externa da parede: Capela São Caetano / ASAM-Associação Sanjoanense de Assistência ao Menor Fone: 3379.2643. Vi tratar-se de uma capela reformada (o que restou do antigo Oratório Festivo São Caetano) envolvida com uma instituição de ensino ou escola. Olhei por entre a grade do portão e vi sobressaindo acima a torre da capela. Soube que houve uma reforma geral da antiga capela e a torre que se via do lado de fora era da capela reformada. Indaguei sobre a gruta com abóbada de pedras da minha infância. Soube que não existia mais: tinha sido aterrada. O antigo Oratório Festivo São Caetano tinha sido loteado e o parcelamento de toda a área tinha dado origem ao bairro, o Residencial São Caetano, um grande condomínio de luxo que vem alcançando substancial valorização imobiliária.

a
A capela reformada e uma escola: tudo o que restou do Oratório São Caetano

9
Capela de São Caetano, São João del-Rei, 28/09/2013 (Crédito: Ulisses Passarelli)




III. O ORATÓRIO FESTIVO SÃO CAETANO NO MEU TEMPO DE CRIANÇA




Meu pai, Roque da Fonseca Braga (1918-1984), foi um membro ativo da Conferência da Sociedade de São Vicente de Paulo-SSVP vinculada à Paróquia de São José Operário, no bairro do Tijuco, que se reunia aos domingos às 9 horas da manhã nas dependências da Capela de São Caetano. Das reuniões da SSVP participavam o presidente Sebastião José Mendes (falecido em 1982), contador, um senhor negro que não possuía um dos braços, apenas um toco; José dos Passos Rodrigues (Sô "Pereira"), falecido em 1998; Waldomiro de Castro Torga ("Vavá" Torga), Lindolfo Carvalho e outros. Meu pai costumava levar algum de seus filhos a essas reuniões e eu gostava muito de acompanhá-lo. Aos domingos, a rotina no Oratório era: após a missa matinal, seguia-se o catecismo (ensino de dogmas e preceitos da religião). Em seguida, cada frequentador (garotos e garotas de 7 a 15 anos) se dirigia à diversão de sua preferência.
Enquanto meu pai se ocupava com os assuntos administrativos da reunião, eu costumava perambular pelas redondezas e participar das brincadeiras, em especial na gangorra, no balanço sobe-e-desce, no espiribol (cuja bola ficava amarrada na ponta de uma corda e esta, amarrada na ponta superior de um mastro; ganhava o jogo a dupla que conseguisse primeiro enrolar a bola no mastro), nas barras de atletismo, no escorregador (no fundo externo, atrás da capela) e nos jogos educativos de cartolina. Quando me cansava de brincar, costumava deitar-me sob a folhagem de um velho eucalipto, que era tão frondoso que 5 homens não conseguiam abraçar o seu tronco. Dessa árvore gigantesca catávamos seus frutos que consistiam de piorrinhas que giravam no chão impulsionadas por dois dedos. Costumava também visitar uma gruta encantadora, aos cuidados do assim chamado Sr. Noventa, com abóbada de pedras, onde se viam N. Sra., São José, carneirinhos e menino Jesus. No fundo da gruta havia um buraco oval recoberto com a imagem da cidade de Jerusalém.
8
Sr. Noventa e Sr. Geraldo ao lado da gruta

Outras vezes, descia até uma bica d'água cuja fonte brotava nas redondezas e onde  diziam  habitava uma cobra muito grande e/ou seguia para o campo de várzea de futebol que ficava numa baixada, entretendo-me com os times em confronto. Todos os jogadores eram uniformizados, possuíam chuteiras e se apresentavam de acordo com a regra, denotando que havia boa organização. Divididos em categorias de idade, os menores, médios e maiores, praticavam seus esportes preferidos. Como sempre, o futebol de várzea era a paixão de todos os meninos.
Às vezes, havia algum filme programado para a manhã de domingo. Nessas andanças pelo Oratório, logo fiquei sabendo que havia, no complexo de prédios anexos à Capela, um, destinado à projeção de filmes e que em determinado dia da semana também havia sessão gratuita. Nesse dia, a senha para convocar os cinéfilos devia ser a música "Siriema do Mato Grosso", amplificada pelo alto-falante do Oratório às 18 horas, e eu era um dos mais assíduos do grupo a buscar aqueles filmes gratuitos. Meia palavra bastava...
Quando a reunião da SSVP terminava, meu pai me chamava para voltarmos para o almoço em casa ou seguirmos ainda até as Gameleiras ou Águas Férreas em visita a algumas famílias assistidas, que residiam em casas da SSVP antes do almoço em casa.
Bem mais tarde, em 1990, vi o filme franco-italiano "Cinema Paradiso" (intitulado Nuovo Cinema Paradiso, em italiano), dirigido por Giusepe Tornatore e com trilha sonora de Ennio Morricone, o qual relata a história da vida do cineasta Salvatore Di Vita, um cineasta bem-sucedido que vive em Roma, quando recebe um telefonema da mãe que lhe comunica a morte do seu velho amigo Alfredo. "Totó", apelido de Salvatore, após a menção do nome do amigo, é invadido por recordações, revisitando a sua infância na sua Sicília natal, quando vivia fascinado pela cabine mágica de Alfredo, o mal-humorado projecionista do único cinema da vila: o Cine Paraíso, para onde Totó fugia sempre que podia, depois que terminava a missa (em que era coroinha). No começo, costumava espreitar as projeções, através das cortinas da sala, das cenas que possuíam beijos, proibidas pelo padre que via primeiro os filmes para censurar-lhe as imagens. Depois, Totó passou a se esconder na cabine de Alfredo, fazendo-lhe companhia. Foi ali que Totó aprendeu a amar a sétima arte, o que mudou a sua vida para sempre. 
Também aqui em São João del-Rei, no Oratório Festivo São Caetano, não era possível deixar de admirar o trabalho do Sr. Geraldo Batista de Carvalho, compenetrado no seu métier de projecionista, independente do número de espectadores. Sempre impassível, sempre gentil. Não importava quantos fôssemos: um ou vinte espectadores, para ele não fazia diferença. Não passava despercebida a ninguém sua extrema dedicação à sétima arte. Numa palavra: encantamento geral.

3
Sr. Geraldo ao lado de seu instrumento de trabalho após uma sessão de cinema
Com o mesmo cuidado e carinho, manuseava o rolo de filme, ao tirá-lo de uma lata em formato de pizza, verificar se a cópia não chegou danificada, emendar os metros de película em um extenso rolo; ao checar o óleo, e flanelar os trilhos, janela, espelho e lentes do projetor para evitar que atrapalhasse a exibição; ao inserir à torre o filme já na bobina que levaria a película ao projetor; ao ligar os amplificadores de som e deixar o filme pronto para rodar; por fim, ao soltá-lo para os espectadores. Lembre-se de que naquela época a profissão de operador do projetor de cinema trabalhava no formato analógico  e não no formato digital de hoje em dia. Hoje, bastaria ao Sr. Geraldo checar a aparelhagem de vídeo e som, ligar o computador e clicar o play. Com adoção do sistema digital simplificaram-se os procedimentos, mas também desapareceram todo o meticuloso tratamento que exigia a película e, com isso, a profissão de projecionista.
Uma curiosidade sobre o meu homenageado: era casado com Julieta Rodrigues de Carvalho, com quem teve 24 filhos, dos quais sobreviveram 12 até a idade adulta; o sarampo foi a causa mortis para a maioria dos que morreram. Seguramente, um recorde, razão por que sua esposa foi eleita e levou o troféu de "Mãe Sanjoanense" por 3 anos consecutivos. Antes do início do filme, sua filha Maria Auxiliadora Carvalho ("Dora"), de 8 anos de idade, vendia pipoca, chicletes e balas aos espectadores.

b
O casal: D. Julieta Rodrigues de Carvalho e Sr. Geraldo

d

Mas, antes de falecer (1989), Sr. Geraldo ensinou a técnica antiga de projetar filmes no formato analógico a Luiz Antônio Ferreira (✰ 02/02/1949 - ✞ 05/03/2015), chamado carinhosamente por "Irmão", que se tornou namorado de "Dora" e posteriormente seu genro. Como aconteceu com Totó no Cinema Paradiso, fascinado pela cabine mágica de Alfredo, da mesma forma "Irmão" descobriu um novo mundo que lhe descortinou a arte de Geraldo. Com o incentivo do sogro, aliado a seus conhecimentos de eletrônica, Luiz fez carreira como técnico administrativo dentro da FUNREI e mais tarde na UFSJ, tornando-se chefe do Setor de Tecnologia Informacional e Educacional-SETEC, unidade responsável por dar suporte técnico aos eventos institucionais e externos, produzir vídeos e mídias digitais para fins didáticos e gerir os laboratórios de informática que dão suporte às atividades de ensino. Por sua amabilidade e competência, dentro da UFSJ ganhou o epíteto de "Luiz do SETEC", que muito o envaidecia.

1
"Dora", seu filho Otávio, "Irmão", Sr. Geraldo e D. Julieta
Voltando à sala de cinema do Oratório Festivo, na hora da projeção Sr. Geraldo apagava as luzes. A que assistíamos então? Dependia do que estava anunciado. 
Normalmente começava por um seriado: lembro-me de Cidade Infernal (intitulado The Lost City, em inglês), em que o destaque era o personagem principal: gigante Hugo. O seriado era composto de 12 episódios, em preto e branco, lançado nos Estados Unidos em 1935. Resumidamente, eis a sinopse do seriado: 
O cientista Bruce Gordon chega a uma área isolada na África, depois de perceber que uma série de catástrofes naturais eletricamente induzidas foi detectada na área. Lá ele encontra Zolok, último dos habitantes da Lemúria (continente), em um secreto complexo sob uma montanha. Zolok havia criado as catástrofes naturais como um prelúdio à sua tentativa de dominar o mundo, mantendo refém um brilhante cientista, Dr. Manyus, ao lado de sua filha. Ele também havia forçado Manyus a criar escravos gigantes, como um exército privado. Ao longo do seriado, descobre-se que Manyus também conquistou outra tribo, os adoradores de aranha Wangas, que são anões brancos. Os heróis escapam de Zolok, encontram Queen Rama e sobrevivem a muitas aventuras angustiantes antes de retornarem para a cidade perdida e pararem o plano de Zolok. 
Em seguida, passavam um filme, conforme anunciado.
Um filme que costumavam passar mais frequentemente era Marcelino, Pão e Vinho (intitulado Marcelino, Pan y Vino, em castelhano), um filme espanhol de 1955 dirigido por Ladislao Wajda, baseado no famoso livro do mesmo nome escrito por José Maria Sánchez Silva. Esse filme obteve tanto sucesso que mais tarde foi adaptado para desenho animado em 26 episódios, exibidos pelo SBT. 
Ressalto ainda que, naquela modesta sala de cinema do Oratório Festivo, lembro-me de ter assistido, pela primeira vez, a um filme de aventura de caça ao tesouro, denominado Ao Sul de Pago Pago (intitulado South of Pago Pago, em inglês), dirigido por Alfred Green, lançado em 1940 e estrelado por Victor McLaglen (Bucko Larson, o capitão da escuna), Jon Hall (Kehane) e Frances Farmer (Ruby). Uma sinopse do filme pode ser resumida assim: Nos anos da década de 1880 um grupo de aventureiros procuram pérolas nas Ilhas do Pacífico e chegam a Pago Pago, a capital da Samoa Americana, na Oceania. Pago Pago é o único porto de escala na ilha. Ruby é desejada por Kehane, o filho do chefe da ilha. Os aventureiros, que se tornam amigos dela, usam esse fato para furtar pérolas da ilha. Ruby apaixona-se por Kehane e tem uma crise de consciência. Em meio a inesquecíveis cenas de mergulho submarino, esse filme desenvolve o tema de que os nativos sendo explorados se revoltam e derrotam a opressão que os subjugava. É encenado numa ilha dos Mares do Sul e representa que ela era um paraíso antes de ser corrompida por homens brancos. Em consequência, os nativos da ilha acabam por assassiná-los.

7
Padre José Antônio, Julieta, Geraldo e Padre José Antônio Venturini



5
Sr. Geraldo, fogueteiro na procissão de São Caetano - Trajeto:
do Oratório Festivo São Caetano até a igreja de São João Bosco
c
Detalhe da foto: exato momento 
em que Sr. Geraldo soltava foguete

6
No verso da foto: Ao Sr. Geraldo,
Meu muito obrigado por tudo. Agradeço seu trabalho, durante o ano de 1962. Seu amigo, José Rezende - São João del-Rei, 18-2-62

Continuemos a falar do Oratório São Caetano. Do livro Orate, Fratres-Memórias de um Seminarista, de Judas Tadeu Tallon, vou extrair os textos de 12 dias típicos do seu 2º ano de filosofia (quando então o clérigo deveria atuar num dos 3 Oratórios Festivos são-joanenses) que trazem informações efetivas sobre o funcionamento e as atividades rotineiras de um domingo no Oratório Festivo e alguns dias úteis de sua vida durante a semana no Colégio São João: 

1965 - SÃO JOÃO DEL REI 

Uma comunidade exuberante 
(...) 
Os Oratórios Festivos de Dom Bosco

Uma das tantas heranças de Dom Bosco são os Oratórios Festivos. Funcionam aos domingos, em alguns casos todos os dias, e englobam várias atividades, tais como brinquedos, esportes, música, oficinas, teatro, cinema, missa, catecismo. O espaço fica totalmente disponível para o público da redondeza. Mantínhamos dois ali: Oratório São João, que funcionava no próprio Colégio São João, que fazia parte do conjunto onde residíamos, e o Oratório São Caetano, que funcionava no outro lado da cidade, no bairro que lhe dava o nome. As atividades, no nosso caso, eram monitoradas pelos clérigos filósofos, especificamente do segundo ano da filosofia. Somente, portanto, no ano seguinte eu estaria envolvido nisso, mas desde então comecei a torcer para, quando chegasse a época, ser designado a ir justamente para o São Caetano. Por quê? Porque reparei no quanto falavam bem dali, principalmente os colegas Laert e Lauro. Através de seus relatos, fui interessando-me cada vez mais. Fui até familiarizando-me com alguns nomes de pessoas de lá, principalmente os de uma família especial, a família Mourão Pereira. Posteriormente hei de voltar a eles. 
Fonte: Redex - Boletim 786 - Lote 2 

1966 - SÃO JOÃO DEL-REI 

Segundo ano de Filosofia e primeiro de Faculdade. Escolhi o curso de Letras com Inglês. Entretanto, em agosto, como se verá, o curso de Ciências apareceria como outra opção. Como era uma grande esperança e um ardente desejo, felizmente, desde o início do ano, fui designado a trabalhar no Oratório Festivo São Caetano. Por conseguinte, como já estava mais do que previsto, consolidar-se-ia a grata amizade com a Família Mourão. Uma amizade que se perenizaria como poucas neste mundo, com certeza. 
Seus elementos: Sr. Pedro, Da. Noêmi, Sérgio, Mário, Noeminha, Regina Lúcia, Maria Auxiliadora, Pedro Geraldo (Pedrinho), Natália, João Batista, Maria Aparecida (Pipia), Paulo Roberto e Maria do Carmo. Entre parênteses, no momento em que rememoro essas tão caras pessoas, devo dizer, com muito pesar, que já faleceram, além dos dois patriarcas, o Paulinho e a Pipia. Por outro lado, devo dizer que hoje, evidentemente, a família já cresceu bastante. A maioria reside em Pindamonhangaba, no estado de São Paulo. O admirável, entretanto, é o como o nosso contato permanece até hoje, em que pesem o tempo e a distância. 
Ocorre-me aqui, aproveitando o espaço aberto a propósito de amizade familiar duradoura, citar outra família, que considero também uma inestimável herança do meu rico passado. Falo da Família Bedeschi, pessoas que surgiram e incorporaram-se à minha caminhada neste ano que ora seguirei abordando. Constituía-se família de gente bonita e muito querida, que alegra meu viver até hoje. O fato de virmos um dia a morar na mesma cidade, Belo Horizonte, facilitou. Bons papos, animação e muita cantoria são o que jamais falta. 
Bem, é chegado um momento especial nos meus relatos. Já dei várias respiradas. “Como é dura a experiência da estrada!”, disse meu dileto autor Exupéry. Nem sempre, contudo, é tão dura assim. Deu um pouco de trabalho, mas foi gostosa, foi muito gratificante, a reconstituição dessa minha viagem de retorno. Como a memória trabalhou! Como valeu! Estou com gosto na alma, de missão cumprida. O que quero dizer, na verdade, é que está despontando a hora do diário. Sim, é chegada a hora de continuarmos a caminhada atrelados aos meus sagrados apontamentos. 
Prezados companheiros, apelo para que, agora, deixem-se tomar de boa dose de paciência. Com efeito, diário é diário, rotina é rotina. Peço mil desculpas por isso. Conto, todavia, que, sob outros aspectos, há de valer a pena. Pela fidelidade e realismo, por exemplo. Em todo caso, espero que aproveitem bem deste resto de caminhada. Obrigado! 
Fonte: Boletim_Redex-788-Anx2 - pg. 2 de 2 

São João del-Rei - CAMINHANDO COM O DIÁRIO 

20/04/66 (quarta-feira) - Quando fui treinar um pouco de piano, ao passar pelo nosso jornal mural Ranger 7, copiei este poema. Especifica uma situação a que estamos sujeitos nesta vida de religiosos. Gostei da poesia. Ei-la: 
P O B R E 

Andava 
Sem nada 
Daquilo que a gente 
Costuma chamar de dinheiro 
E o velho pediu 
Pediu por amor 
E eu 
Eu que amo 
Não pude atendê-lo 
E a gente que viu 
Pensou 
Oh! Talvez 
Pensou que eu não amo 
Porque não sabia 
Que eu ando sem nada 
Também por amor. 
                                                                               (Ii-Iís - 16/02/66) 

O ‘Ranger 7’ era um jornal mural semanal, criado e conduzido pelo colega nordestino Luiz Oswaldo Santiago Moreira de Souza. A mensagem da poesia tem a ver com o nosso voto de pobreza, pelo qual não podíamos andar com dinheiro. Ii-Iís era o pseudônimo do nosso colega poeta também nordestino Luiz Soares de Melo. 

21/04/66 (quinta-feira) - Uma turma levantou às 4h da manhã para escalar a serra de Tiradentes em comemoração ao herói do dia. Preferi ficar. Após o hasteamento da bandeira, eu mais alguns fomos às comemorações na cidade. Povo e alunos das escolas estavam aglomerados ao redor do palanque. Houve muitos discursos e a banda de música ia tocando nos intervalos. Vi caras conhecidas, inclusive a Auxiliadora Mourão que, em meio às coleguinhas do Grupo Maria Teresa, acenava-me sorridente. Ao chegar a casa, assisti ao basquete disputado pelos times do Oratório São João e o Athletic. Acabei o resto da manhã no pingue-pongue. 
À noite, no Teatro Municipal, assistimos a um bom concerto proporcionado pela Orquestra Sinfônica Sanjoanense. Fui na companhia do nordestino José Mariano Pedrosa. Ele tem um cacoete característico de emitir um som, uma interjeiçãozinha, “st”. Na volta, passamos pela turma em peso dos rapazes do pingue-pongue do Oratório São Caetano, Gilberto, Roberto, Fernando e Maurício. 
De onde residíamos, ou seja, do bairro Dom Bosco, até o centro da cidade, creio que a distância girava em torno de três quilômetros. Muitas e muitas vezes fazíamos aquele trajeto a pé e de batina. 

23/04/66 (sábado) - Em toda aula de Inglês do Pe. Gruen, algum aluno é arguido. Até hoje eu não fui. Tivemos uma reunião do MC, nosso Movimento Comunitário. Versou sobre pontos negativos e positivos da comunidade. 
À tarde, ótima conferência do Pe. Tertuliano. Discorreu sobre o tema Maria na Bíblia. 
Ensaio do conjunto Anambé. Como não poderia ter sido diferente, desde que cheguei a São João del Rei, quis muito pertencer ao conjunto instrumental dos clérigos, o Anambé. Era dirigido pelo Pe. Gebê, Geraldo Batista. Meu instrumento seria o trompete, que já tocava na banda de Jaciguá, mas ele já possuía tocador, o João Sossai. Aguardei uma vaga durante o ano inteiro. Com a saída do Luiz Moraes para a Assistência, abocanhei a oportunidade de ocupar seu lugar. Apesar de ser na flauta, corri atrás do aprendizado. E consegui. 

24/04/66 - Domingo. Missa no Oratório São Caetano. Ao chegarmos, como sempre, ensaiamos os cantos. O maestro era o Afonso, e eu, harmonista. 
Após a missa, ensaiei com meus pequenos cantores. Queriam cantar no salão de cinema do Oratório. Pois vamos. Assim, antes de o cinema começar, deram o seu recado. A plateia aplaudiu bem. 
Agora é diretor do Oratório o Pe. Tertuliano, substituindo o Pe. Cimino. 
Por causa do Oratório, perdemos, em casa, uma conferência que versou sobre assistência ao menor abandonado, proferida por um tal de Dr. Mário, que foi muito bem comentado. Almoçamos e retornamos, de jipe, ao Oratório. O catecismo foi bom. Não pude assistir ao filme O pombo que conquistou Roma, com Charlton Heston e Elza Martinelli. Minha missão foi do lado de fora do salão monitorando o movimento. Um circo está montado no campinho de futebol, o que provocou, hoje, uma ausência significativa. 

Eis delineada a rotina típica de um domingo no Oratório Festivo São Caetano. De manhã, missa, brinquedos, esportes. Tudo era interrompido para o almoço, quando retornávamos ao colégio, situado do outro lado da cidade. O trajeto era feito geralmente de Kombi. Após o almoço, de novo íamos para lá, e as atividades eram retomadas. Para o catecismo, à tarde, as turmas eram divididas por idade e distribuídas pelas salas do imóvel simples. Havia um salão, também simples, mas de bom tamanho, com palco e tela para projeção de cinema. O padre diretor do Oratório manejava a máquina e passava filmes para o povo. Ao final do dia, novamente recolhíamos bolas, redes e tudo o mais e retornávamos à nossa residência e à rotina da comunidade. Afonso, Duíle, Gobbi, Nicolli e eu formávamos a equipe de monitores daquele ano. 
(...) 

25/04/66 (segunda-feira) - Das quatro aulas que eu teria, hoje só houve uma. 
À tarde tivemos uma conferência a cargo de Dona Maria de Lourdes Belchior Pontes. O tema foi A poesia portuguesa moderna. Para preencher, houve uns números de violino e também o Pe. Bosco cantou. 
O Domingos Nicolli chegou a mim e disse: “O Pe. Tertuliano quer uma reunião esta semana. E uma das coisas é séria!” Quem não deve não teme, mas... preocupa a gente. Veremos. Só pode ser sobre as oratorianas. Quid sumus? O que somos nós? 
A ameaça levantada refere-se a uma pressão psicológica que pairava sobre nós da equipe do Oratório São Caetano no tocante ao relacionamento com as pessoas, especialmente com os amigos, e principalmente amigas. A gente executava as tarefas normalmente, mas havia o ingrediente da aparição por ali de elementos mais chegados, principalmente da família Mourão. Como já antecipei alhures, a proximidade com essa família era herança do ano passado, advinda do Laert e Lauro. Afonso, Gobbi e eu éramos os envolvidos de então. Eu amava aquele contato. Era prazeroso, e o considerava importante. Até porque eram pessoas amáveis de fato. Não obstante, a atenção que lhes dávamos era relativamente diminuta, justamente para não chamar a atenção. 
Apesar disso, por mais discretos e naturais que fôssemos, o tabu perante os nossos superiores existia. Assim, nossas atitudes eram muito observadas, causando preocupação e incômodo. 

26/04/66 (terça-feira) - O tempo esfriou à tarde, com chuvas. Muito pingue-pongue em casa entre os mais adeptos. 
Não estou gostando de hoje. Ando um pouco apreensivo, aflito. Que estoure logo a bomba anunciada pelo Nicolli. 
Aula de canto para os clérigos no salão de estudo. 
Dona Noêmi deve estar na reunião de pais, já que o Mário e o Pedrinho estudam aqui. Ainda bem que não me procurou, se bem que eu gostaria de bater um papo. 
O Mário e o Pedro Geraldo, filhos do casal amigo, estudavam no nosso colégio São João. O mesmo se diga de seus sobrinhos, Renato, Carlos e Rômulo. O colégio funcionava no mesmo conjunto de prédios em que residíamos. Nesse conjunto também funcionava a Faculdade Dom Bosco. 

27/04/66 (quarta-feira) 
 (...) O diretor dos clérigos era o Pe. Carrara. Os do Oratório São Caetano foram o Pe. Cimino e o Pe. Tertuliano. O Colégio São João e o respectivo Oratório Festivo eram dirigidos pelo Pe. Gebê, Geraldo Batista. Para completar, o diretor da Faculdade Dom Bosco era o Pe. Luiz Zver. (...)  

28/04/66 - Recebi carta da mana Gina, ainda parabenizando-me pelo aniversário. De certo modo, pede-me socorro. Está sofrendo com a incompreensão e desaprovação dos nossos pais quanto ao seu namoro. O que faço? “Bem-aventurados os que sofrem, porque serão consolados”, foi o que rezou a flor de hoje, por coincidência. 
Após as orações da noite, um dos nossos padres ia à frente e proferia umas palavras. Era o tradicional Boa-Noite. Mas, em alguns períodos especiais, acrescia-se a ele a leitura de uma pequena mensagem contida em um papelzinho tomado por sorteio. Era a ‘flor’. 

29/04/66 - Aniversário do Pe. Gruen. O almoço foi mais caprichado, regalado com bebidas e terminado com um bolo adrede encomendado. A lista de hoje para o futebol foi infeliz. Os times ficaram bem descomparados. À noite, ensaio do conjunto Anambé. Chove. 
O Pe. Gruen, alemão, é nosso conceituado professor de Grego, Inglês, Cultura Religiosa e Catequese, além de confessor. 

30/04/66 - O sábado é sempre o melhor dia da semana porque sem aulas e antecipando o domingo. Comecei um trabalho de Latim com o colega Paulo Afonso. Assistimos ao filme Duelo de Titãs, com Kirk Douglas e Anthony Quinn. Muito bom. 
Filmes são regularmente exibidos no salão de teatro do colégio, abertos ao público. A máquina é manejada pelo Pe. Carrara. Como é bem afeiçoado a máquinas, isso lhe deve dar bastante prazer.  

01/05/66 - Domingo. Dia de São José Operário. Participamos de um passeio ao colégio salesiano de Barbacena. A saída foi às 7 horas da manhã. Um dia e tanto. Fomos efusivamente recebidos. A missa e o sermão foram belos. 
No futebol, nossa turma ganhou de 7 a 3. Telefonei à minha madrinha de vestidura, Dona Líggia Von Rückert. Disse que viria para a inauguração da biblioteca. O almoço festivo foi alegrado pelo nosso Anambé. O repertório executado foi: El RelojOh CarolCanção de Moulin RougeLet’s Twist AgainVereda Tropical
A surpresa foi encontrar ali o José Matiello, ex-colega de Jaciguá. Aproveitei bastante do seu radinho, novidade pra mim. Da. Líggia veio com o Sr. Fernando. Fiquei feliz. 
À tarde, houve a bênção do Santíssimo Sacramento. Depois, jantar, recreio e mais contato com os alunos. À noite, foi encenado o teatro O Duque de Norfolk
Nos intervalos, de novo o nosso conjunto tocou. 
Despedidas e retorno. 
Fonte: Boletim_Redex-793-Anx2 - pg. 1 de 2 

Vejamos agora a opinião de outros participantes dos domingos nos Oratórios salesianos de São João del-Rei: 
1) Os Oratórios Festivos, que vêm dos tempos de São Filipe Néri (1515-1595), como uma espécie de contrapartida católica às Escolas Dominicais protestantes, terminaram por tornar-se a iniciativa que assinala com marca própria e peculiar a obra nuclear de Dom Bosco. O “Santo da Juventude” começou seu apostolado de padre novo atraindo, aos domingos e dias-santos, meninos pobres da periferia de Turim, Itália, para lhes ensinar catecismo e praticar esportes. Dos Oratórios desenvolveram-se as escolas, sobretudo de artes e ofícios, através das quais Dom Bosco qualificava jovens pobres de boa formação cristã, visando a um duplo propósito: servir ao processo de industrialização, especialmente no norte da Itália — e com isso "pagando" a quantos lhe financiavam o empreendimento  e fazer frente ao protestantismo que, do sul da França e da Suíça, invadia o espaço romano-católico italiano. A iniciativa agradava à Igreja  e Dom Bosco foi alvo de grande estima por parte do Pontífice romano  e aos ricaços que davam início ao processo industrial italiano: pelos Oratórios reciclava-se o "descarte" de uma população "perigosa", proveniente das periferias rurais — de outra forma, destinada à marginalidade social  e devolvida à "centralidade" urbana como mão-de-obra disponível no portão das fábricas. Os grandes internatos  e, hoje, os imensos externatos  que se sucederam, oferecendo um currículo estritamente "escolar", "acadêmico", a filhos das classes abastadas, constituíram de certa forma um desvio do projeto original de Dom Bosco, embora fundados sob o pretexto de angariar recursos que sobrassem para a sustentação das escolas profissionais oferecidas a jovens suburbanos, mantidos em simbiose de segunda ordem com os futuros graduados da elite "produtivo"-governante. 
Fonte: Boletim_Redex-799-Anexo 2-p. 1 de 2 sobre o livro de [SILVA, José Paulino da]: Elogio da Amizade 

2) [FIORIO, Nilton Mario] relata a experiência dos participantes do 14º Encontro dos Redexianos em Araxá (18 a 20/09/2015) ao visitarem um Oratório Festivo em Araxá, quando se comemorava o bicentenário do nascimento de Dom Bosco: 
D. Bosco  nossa referência no caráter, na pedagogia, no magnetismo de sua personalidade  ocupou, em força dessa feliz coincidência, a finalidade de diversas atividades do Encontro.
Uma delas, sobremaneira, pareceu uma ilha serena e afetiva no mar de nossas lembranças: a visita ao Oratório Festivo, no dia 18/9/15, e o entrosamento bastante sumário com sua comunidade de crianças, adolescentes e adultos, estes responsáveis pela educação daquela meninada, motivados pela pedagogia do Sistema Preventivo, especialmente delineado e forjado pelo grande mestre bicentenário. O desempenho daqueles miúdos dedilhando compenetrados ou desenvoltos seus violões e violas para sublinhar as canções do pequeno coral, sob a liderança serena e segura de seus mestres, desatou em nós emoções muito especiais, com ou sem lágrimas (...) 

O ORATÓRIO FESTIVO, fundação inicial de Dom Bosco, buscou em São Felipe Neri  o santo da alegria e idealizador da CONGREGAÇÃO DO ORATÓRIO  a concepção básica que deveria nortear o seu papel de padre educador, voltado para a formação moral, catequese e instrução cívica dos meninos abandonados, cujo protótipo e símbolo foi Bartolomeu Garelli. 
Se a Sociedade Salesiana se edificou e subiu sobre o alicerce do virtus et labor, que o Mestre Dom Bosco soube com sabedoria e sinceridade apostólica convergir para os mais necessitados, o tempo em sua evolução incontrolável se encarregou paulatinamente de desfigurar essa finalidade, a tal ponto que os sucessores desaprenderam sobremaneira a lição básica e começaram a temperar as primeiras metas com ingredientes divergentes, mas agradáveis tanto ao paladar dos que exerciam as lideranças prestadias quanto ao sustento dos que delas desfrutavam. (...) 
Foi pensando nisso tudo que nossa visita ao Oratório Festivo de Araxá, coordenado com espírito genuinamente salesiano pelo Pe. Duíle, foi suficiente pra ressuscitar em nosso íntimo, mesclado por sentimentos racionais e razões emotivas, a lembrança do que poderia ter sido a proposta do jovem apóstolo Giovanni Bosco que, mediante um lavoro eminentemente inspirado pelo da mihi animas, caetera tolle (dá-me as almas, leve as outras coisas), arriscou todas as suas cartas e seus talentos na recuperação e transformação daqueles meninos e adolescentes, tentando fazer deles pessoas felizes. 
A visita ao Oratório de Araxá foi a grande oportunidade pra saborear algo que mantínhamos esquecido no cofre de nosso inconsciente. Com uma proposta de transformação mais avançada e consciente do que aquela tarefa que se nos pediu quando estudantes de filosofia e teologia, a juventude e a meninada do oratório atual, sob a batuta de mestres simpáticos e competentes, nos regalaram um espetáculo de grande sensibilidade, melhor, nos conduziram ao passado por um presente que julgávamos ficção. Que presente! 
Em São João del Rei, só os filósofos do 2º e 3º ano podiam ser catequistas num dos três oratórios festivos: o São João, bem vizinho ao Colégio Dom Bosco, o Santa Teresinha, no Bairro de Matosinhos, e o São Caetano, no Tijuco ³. Aí na frente, estão os quatro catequistas do São Caetano, em 1957, ladeando o nosso Diretor, Pe. Luiz Zver (3): da esquerda pra direita, aparece Nilton Mario Fiorio (1), Gregório Baptista Lopes (2), Vicente Gonçalves (4), José Ozanam de Castro (5). 

2
Da esq. p/ dir.: Nilton Mario Fiorio, Gregório Baptista Lopes, Pe. Luiz Zver, Vicente Gonçalves e José Ozanam de Castro

Nossa atividade se restringia às aulas de catecismo, à preparação das festas do calendário católico, a algumas comemorações festivas, especialmente festas juninas e natalinas. Além de tais agendas, não faltavam aos domingos os torneios de futebol ou então os jogos amistosos entre escretes representativos dos oratórios. Por aí se percebe que o lado festivo estava preservado, com a finalidade de se chegar ao oratório. O pedido de Cristo pra que deixassem as crianças irem até ele falava a mesma língua do desejo de D. Bosco, a fim de atraí-las pelo divertimento pra depois lhes inculcar o substancial. Recordemos o item que abre o Regulamento para os oratórios: “O fim do Oratório é atrair os meninos com agradáveis e honestos divertimentos, a fim de lhes ministrar sólida instrução religiosa e fazer que cumpram os deveres de bom cristão.” 
Oportuno que se faça uma ilação. Ao falar de cristão, não posso me esquecer da sua relação com humano e vice-versa. A conexão entre cristianismo e humanismo é de tal sorte que ambos só podem pertencer ao mesmo campo semântico. Bem estava na vanguarda Tertuliano quando resumiu magistralmente: "Anima naturaliter christiana". Suponho que D. Bosco, ainda que teoricamente não tenha escrito essa tese, a concretizou por sua visão da pessoa ideal, cuja dimensão humana e cristã se igualavam. 
Fonte: Redex-Boletim 828-Anexo 5: [FIORIO, Nilton Mario]: Oratório Festivo, 21/10/2015, p. 1-3

3) Quão eloquente é o testemunho de Marcos Evangelista:
“...vivi intensamente meus 11 anos de seminário (52 a 63). Adorava, ao meu modo de criança e de adolescente, aquela vida. Amava os recreios, os passeios de quinta-feira, os passeios de Emaús, as Missa Solenes, os dias de teatro, de festas. Tive minhas amizades particulares, embora fossem proibidas. Fui ajudante do saudoso Hélio Lotti no Laboratório fotográfico, criado e implantado em 1958 e depois (60 a 62) o responsável pelo mesmo. Pertenci a dois grupos especiais, criações do Pe. José Maria Telles: "pequenos missionários" e "grupo de entomologia". Como foi gratificante, em que pese as inúmeras dificuldades, minha vivência de 5 meses como assistente dos menores na Escola Padre Sacramento. Mais ainda os momentos agradabilíssimos no Oratório Festivo Dom Bosco nos anos de 61 e 62, quando fui assistente lá nos domingos e feriados.”
Fonte: Redex-Boletim 830-Anexo 5



IV. VOZ DIVERGENTE 



(...)
Quando fui ao Noviciado, tenho enorme tempo livre, li página por página todas as Memórias Biográficas de D. Bosco, evidentemente no original italiano. [Não me consta que tenham sido traduzidas] Esta leitura entrou em contraste claro com as “orientações” que “passavam por espírito do fundador”.
Despertou minha curiosidade sobre QUANDO E QUEM alterou o modus vivendi do Orátorio Festivo original para o regime encontrado no Aspirantado em S. João Del Rei. Claro que só poderia ter sido algum sucessor como “Reitor Geral”. Suas “biografias” nunca foram muito divulgadas e nem as origens dos tais regulamentos.
Como “clérigo” tive acesso a várias fontes mais “originais” Por exemplo, a excelente biblioteca da FDB em latim, italiano, francês, e espanhol. Estas duas línguas foram muito importantes porque havia as enciclopédias Larrousse e Espasa-Calpe, fontes “inesgotáveis” de informação. E, daí, algumas outras “coisitas” como Teilhard de Chardin e seu “Fenômeno Humano” que aceitava a “Teoria da Evolução”. Não sei mais por onde isto passou mas levou-me ao confronto com as aulas “ortodoxas” do Duque em filosofia contra a teoria da evolução e em uma “interpretação literal” do criacionismo do Gênesis. As aulas de Metodologia Científica do Servo e as aulas de Biologia do Capitão De Magela e etc. ... fizeram o resto em relação ao “divórcio” crescente entre minhas ideias e a “ortodoxia obediente” e “obsequiosa”. Depois por outras cargas d'agua virei professor de estatística e metodologia cientifica da FDB [alunos e alunas externas...] e participei das “missões pedagógicas” do Laboratório com “aplicação de testes e orientação educacional e vocacional de alunos dos colégios salesianos e de algumas turmas de colégios das freiras, Irmãs de N. Sra Auxiliadora”.
RESUMINDO UM POUCO o núcleo das questões colocadas pelo Sossai:
A imagem mitológico-profética resumida e “oficial” de D Bosco estava a serviço de uma doutrinação estreita naqueles tempos. Sempre foi quase totalmente DESCONTEXTUALIZADA dos registros mais próximos à história REAL do seu quotidiano no “oratório festivo”, de sua vida sacerdotal como padre “diocesano”, das questões políticas de seu “andar no fio da navalha” entre o movimento politico do Piemonte contra os Estados Pontifícios e sua “devoção integral ao Papa”. (...)
Fonte: Boletim_846-Anx5 - Heitor Garcia de Carvalho




V. VISÃO POSITIVA DO ORATÓRIO 




A pedagogia salesiana é fascinante porque não está interessada apenas em entupir a cabeça do educando de conhecimentos; não cuida apenas do pescoço prá cima mas na atividade pedagógica leva em conta a pessoa em sua totalidade: dimensão corporal, espiritual, festividade, alegria e criatividade. Professores que passaram pela formação salesiana impressionam quando atuam como mestres em ambientes não salesianos. O que tem de diferente? Não se sabe. É um “quê” mas não se sabe o quê. (...)

Brincando com as palavras

Pedagogia é literalmente o ato de conduzir a criança; em grego, PAIS – PAIDÓS significa criança e AGUEIN significa conduzir. Conduzir a criança. Podia ser entendido como uma função dos escravos da antiga Grécia que conduziam as crianças para o local onde acontecia a educação. Com o passar dos tempos seu significado foi tomando novos contornos e se enriquecendo de tal forma que pedagogia hoje não significa apenas conduzir criança a se tornar gente, pessoa e humana. Pedagogia é a arte de conduzir pessoas à prática do bem; é o ato de tornar homens, mulheres e crianças como sujeitos de construção de um mundo novo, fraterno e humano. 
Pátio é o lugar onde por primeiro o educando das obras salesianas toma contato antes mesmo da capela, das salas de aula ou do teatro; se alguém entra em uma escola e não tem pátio, desconfie; você pode estar entrando em um ambiente não salesiano; mas se de fato for uma escola salesiana algo de errado deve estar acontecendo. É no pátio onde a familiaridade tão característica da pedagogia salesiana é vivenciada: trocam palavras, corre-se, canta-se, grita; o professor, o salesiano ou o funcionário se encontra com o aluno fala-se de família, de futebol, de política, de namoro e do último capítulo da novela. (...) 
Alegria é uma palavra bíblica; está escrito na carta de Paulo aos cristãos de Filipo: “alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez vos digo: alegrai-vos” (Fil. 4,4); esse texto faz parte de uma das leituras da missa da festa de D. Bosco que reconhece S. João Bosco como o santo da alegria. (...)
Festa é o momento especial da manifestação da alegria que acontece em algum lugar determinado. Toda festa cristã deriva da grande festa que é a solenidade da páscoa. Páscoa foi a notícia mais alegre recebida pela pequenina comunidade cristã: daí prá frente só festa, só alegria: Cristo ressuscitou. (...)  
FonteInspetoria Salesiana do Nordeste do Brasil – Coleção Vida Salesiana nº 3 – Pedagoria do Pátio: MOURA, Luiz: Festa, Alegria e Criatividade na Pedagogia do Pátio, Recife: Fasa Gráfica, p. 26-30 (de um total de 54 p.)

Mensagem do Papa Bento XVI por ocasião do início do XXVI Capítulo Geral dos Salesianos de Dom Bosco:

“(...) 3. O tema escolhido para este Capítulo Geral é o mesmo programa de vida espiritual e apostólica que Dom Bosco fez seu: "Da mihi animas, cetera tolle". Nele está encerrada toda a personalidade do grande Santo: uma profunda espiritualidade, o empreendimento criativo, o dinamismo apostólico, a laboriosidade incansável, a audácia pastoral e sobretudo a sua consagração incondicional a Deus e aos jovens. Ele foi um santo que teve uma única paixão, "a glória de Deus e a salvação das almas". É de importância vital que cada Salesiano se inspire continuamente em Dom Bosco, que o conheça, estude, ame, imite, invoque e faça própria a sua paixão apostólica, que jorra do Coração de Cristo. Tal paixão é capacidade de se entregar, de se apaixonar pelas almas, de sofrer por amor, de aceitar com serenidade e alegria as exigências quotidianas e as renúncias da vida apostólica. O mote "Da mihi animas, cetera tolle" expressa em síntese a mística e a ascética do Salesiano. Não pode existir uma mística ardente, sem uma ascese robusta que a sustente; e vice-versa, ninguém está disposto a pagar um preço elevado e exigente, se antes não descobriu um tesouro fascinante e inestimável. Numa época de fragmentação e de fragilidade como a nossa, é necessário superar a dispersão do ativismo e cultivar a unidade da vida espiritual através da aquisição de uma mística profunda e de uma ascética sólida. Isto alimenta o compromisso apostólico e é garantia de eficácia pastoral. (...)
Linkhf_ben-xvi_let_20080301_capitolo-salesiani(1).pdf




VI. NOTAS EXPLICATIVAS 




 ¹  O representante dessa família foi José do Nascimento Teixeira (✰ Lagoa Santa, 1875 ✞ São João del-Rei, 1943), importante industrial, Prefeito Municipal (1930-1936), presidente da Câmara Municipal, presidente da Associação Comercial, primeiro presidente da Sociedade de Concertos Sinfônicos e grande benfeitor da obra salesiana em nossa cidade, que, em seu testamento, deixou para a Congregação Salesiana a citada chácara.

 ²  “O machete é um tipo de viola de 10 cordas, dispostas no corpo do instrumento em 5 duplas de cordas, tal como as violas conhecidas em todo o Brasil como “violas caipiras”. Possui tamanho bem menor e timbre bem mais agudo e “brilhante” do que o violão, p. ex. Estes instrumentos de origem portuguesa chegaram ao Brasil durante o período colonial e logo se disseminaram pelo país, vindo a se tornar um dos instrumentos de cordas mais utilizados na música brasileira. O machete foi assimilado também pelos africanos trazidos para a região do Recôncavo Baiano, e acabou sendo incorporado às suas tradições musicais de modo tão peculiar que pode-se dizer que estes “africanizaram” a antiga maneira “portuguesa” de tocar a viola. Uma das tradições musicais em que o machete tem importância fundamental é no Samba de Viola e no Samba Chula, entre outras variações do Samba de Roda.” (CfNOBRE, Cássio: Viola nos Sambas do Recôncavo Baiano, tese em Etnomusicologia submetida ao Programa de Pós-Graduação em Música da UFBA para obtenção do grau de Mestre em Música, 2008, p. 25-27)

 ³  As principais famílias locais que se destacaram como cooperadoras da obra salesiana nos Oratórios Festivos salesianos e seus padres e clérigos eram: 1) Oratório Festivo São Caetano, que permaneceu ativo por quase quatro décadas e deu como fruto o Grêmio Esportivo São Caetano: família Nascimento Teixeira, na residência na Rua da Prata; família Mourão Pereira (Pedro e Noêmi, seus filhos e sobrinhos) e família Bedeschi; 2) Oratório Festivo Santa Terezinha: apoiado pela família de Severino Giarola, em Matosinhos; e 3) Oratório Festivo São João.

4
Oratório Festivo São João localizava-se onde hoje está situada a CACEL, 
na Av. Leite de Castro, 727 em São João del-Rei


   Como Heitor Garcia de Carvalho citou um escrito de João Sossai, cujo texto é intitulado "Biografia de Dom Bosco" e foi inserido in Redex-Boletim 845-Anexo 5, entendo que seria conveniente reproduzir aqui esse texto para esclarecimento do leitor:
“No dia 4/2/2016 terminei de ler o livro “Dom Bosco: uma história para todos os tempos”, dos autores Domenico e Renzo Agasso, e Domenico Agasso Jr. (EDB, 2015) que recebi como brinde no encontro da Redex em Araxá. Li o livro em poucos dias, aproveitando cada pequeno intervalo de folga. Resolvi registrar algumas impressões a respeito da obra e compartilhá-las com os amigos da Redex.
A primeira impressão foi de que a abordagem difere bastante de outras versões populares com as quais tive contato no tempo de seminário e em épocas posteriores. Não me sinto suficientemente seguro ao fazer esta afirmação, como também, em relação aos comentários que aqui faço. É que não tive a oportunidade de conhecer mais profundamente as idéias e as obras de Dom Bosco como vários colegas que permaneceram por mais tempo na Congregação, concluindo o curso de filosofia e teologia e mesmo atuando por vários anos como religioso e/ou sacerdote.
O primeiro aspecto que destaco refere-se à impressão de que este livro não enfatiza tanto aspectos, que podemos chamar de “espetaculares”, da vida de D. Bosco: o prestidigitador e saltimbanco, as visões, os eventos extraordinários considerados milagres, etc. Em vários pontos da obra os autores relativizam esses fenômenos, muitas vezes citando o próprio D. Bosco que não se considerava um demiurgo. Quanto aos sonhos/visões, em mais de um ponto os autores sugerem que se tratava de uma forma didática de ensinar, o que me faz lembrar as parábolas relatadas nos Evangelhos.
Outro aspecto que destaco são as freqüentes citações de escritos de D. Bosco, entre eles, “O sistema preventivo na educação da juventude”, as diversas biografias de santos e de outros personagens, a “Cronistória”, “Memórias”, “Leituras católicas”, “Lembranças para os católicos”, “Avisos aos católicos”, “Católico instruído”, “História da Itália...”, “Síntese histórica” e outros. É provável que estas e outras produções de D. Bosco estejam reproduzidas nos muitos volumes que compõem sua biografia. Como nunca tive a curiosidade de ler esses volumes, não sei se minha suspeita tem fundamento. Não me recordo de ter tido maior contato com esses escritos originais de D. Bosco, ou seja, de ter lido esses materiais no tempo de seminário. Não sei se por desinteresse ou por não estarem disponíveis ou se por falta de estímulo por parte dos nossos superiores.
Chama a atenção também a citação de datas exatas, inclusive em vários casos, o dia da semana em que muitos eventos aconteceram. Fiquei também em dúvida se esses dados são resultado de pesquisas dos autores diretamente em documentação da época ou se simplesmente foram extraídos dos volumes citados ou mesmo de outras obras.
Embora se deva reconhecer a preocupação central de D. Bosco, voltada para a educação e salvação da juventude, o livro sugere que grande parte de seu tempo foi dedicado a obter recursos materiais/financeiros para construir e manter as muitas obras criadas por ele. Claro que esses recursos eram essenciais para a consecução dos objetivos finais de suas obras, mas tudo indica que D. Bosco se empenhava pessoalmente nessa tarefa, o que exigia dele dispêndio de muito tempo e esforço.
O texto dá muita ênfase ao sistema preventivo, ao amor que o salesiano deve cultivar para com os jovens, a atitude sempre positiva. Não admitia de forma alguma castigos físicos, constrangimentos em público e outras formas punitivas de “educação”. Com relação a esses aspectos, lembrei-me de muitos fatos ocorridos principalmente nos 4 anos vividos no colégio de Jaciguá: decorar poesias de pé no salão de estudos durante dias seguidos, citação em público das “faltas” de cada um na leitura de notas de comportamento, ficar de pé no refeitório por dias seguidos, ficar “no gelo” (sem comunicação) e outros de natureza semelhante. E, muitas vezes, por coisas insignificantes como trocar algumas palavras em voz baixa com algum colega em momentos de silêncio.
Quando se fala de um santo, pensa-se em uma vida plana, dedicada somente a atividades edificantes. O livro enfatiza vários aspectos que revelam o lado humano de D. Bosco. Destaco as rusgas e incompatibilidades tanto com autoridades religiosas como políticas. Um fato bastante curioso refere-se ao veemente protesto quando suas oficinas tipográficas não foram classificadas em primeiro lugar em uma exposição. O segundo lugar não foi aceito e D. Bosco foi às vias de fato, protestando veementemente.
Não tinha idéia dos problemas de saúde que D. Bosco sofreu, principalmente nos últimos anos de sua vida. É compreensível essa situação, bastante comum, dadas as condições ainda incipientes da medicina e dos medicamentos disponíveis na época. Daí ser freqüente a morte prematura, sendo muitos casos relatados no livro. Os últimos anos de vida de D. Bosco devem ter sido muito penosos, pois realizava longas viagens, não muito confortáveis àquela época, e esteve à frente das suas obras praticamente até seus últimos dias de vida.
Achei que faltou breve descrição das fotos apresentadas no livro, com indicação da data em que foram produzidas. Outro aspecto que me chamou a atenção foi a omissão de referências aos Irmãos Coadjutores. Se não estou enganado, são citados duas vezes, já na parte final do livro, mas em nenhum momento aparece alguma explicação sobre quem são essas figuras tão importantes dentro da Congregação, o que todos nós tivemos a oportunidade de atestar convivendo com vários irmãos que deixaram marcas importantes em nossas vidas. Particularmente, cito os irmãos Mesquita, Bastianello e Joaquim, com os quais tive grande convivência e dos quais guardo grandes recordações.
Poderia fazer outros comentários, mas creio que estes foram os aspectos que mais me chamaram a atenção.”




VII. AGRADECIMENTOS




Agradeço carinhosamente à minha esposa Rute Pardini pelo trabalho fotográfico, edição e formatação de todas as fotos. Agradeço a Luiz Antônio Ferreira (in memoriam) e à sua esposa Maria Auxiliadora Carvalho Ferreira pelo cessão das fotografias do acervo particular da sua família.





VIII. BIBLIOGRAFIA




BURTON, Richard Francis. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho (1867). Trad. David Jardim Junior, notas Mário Guimarães Ferri. São Paulo: Itatiaia: EDUSP, 1976, 366 p.

CINTRA, Sebastião de Oliveira. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-ReiNomenclatura de Ruas de São João del-Rei, volume VI, 1988, Juiz de Fora: ZAZ Gráfica e Editora. 129 p.

PENA, Geraldo: Diversos Boletins REDEX - Rede de Ex-salesianos 

SOBRINHO, Antônio Gaio: São João del-Rei através de documentos, São João del-Rei: UFSJ, 2010, 260 p.
______________________  Notas sobre o Bairro do Tijuco. Jornal da ASAP: Portal São João del-Rei Transparente.
Link: https://saojoaodelreitransparente.com.br/works/view/13

VOLTAR AO INICIO