EDITORIAL


José Cláudio Henriques
Sócio fundador da ASMAT
Membro do IHG de
São João del-rei

A Igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos de 1774 e o caso da Portada vendida

Por José Cláudio Henriques*

             A primeira construção histórica que podemos admitir no bairro de Matosinhos foi a igreja inacabada de 1703, segundo o que se pode interpretar pela criação do primeiro povoado da região de São João del Rei, que sem dúvida foi em Matosinhos. Provavelmente, nessa igreja, o Governador General da Capitania de Minas, Conde de Assumar, mandou que fossem instalados os quartéis de milícias do rei, a 30/08/1719. Pode-se imaginar que a referida igreja não foi terminada em razão da debandada dos habitantes de Matosinhos, que se retiraram em direção ao alto das Mercês, em São João del Rei, onde se descobriu grande quantidade de ouro.
            O grande historiador Augusto Viegas (1942), faz a seguinte referência:

                “Como toda parte onde demoravam, os sertanistas levantavam logo uma capela, radioso marco com que o fervor de sua crença, amenizando de sublime misticismo as asperezas da jornada, os alimentava de grandes esperanças, também aqui, como informam Milliet de Saint Adolphe e Monsenhor Pizarro, começaram os paulistas a eregir a primeira igreja no Porto Real da Passagem, onde Tomé Portes Del Rei fundou o primeiro núcleo de povoação que, se estendendo pelas margens do Córrego do Lenheiro e pelas encostas das serras, veio  a formar São João del Rei. Em seguida a esta igreja não acabada de 1703 a 1704, ou como informa o Sargento-mor José Álvares de Oliveira de 1704 a 1705, os Emboabas formaram o Arraial Novo ou nova povoação e ao mesmo tempo eregiram a capela dedicada a Nossa Senhora do Pilar.”            

            Sessenta e sete anos depois, ou seja, em 1770, foi iniciado um movimento para que uma nova capela fosse construída e uma petição dirigida à arquidiocese de Mariana foi deferida através da permissão datada de 06/09/1771.

            A velha igreja do Bom Jesus de Matosinhos foi finalmente concluída em 1774 e, em 01/03/1774, há o registro do primeiro casamento ali celebrado. Casaram-se Manoel da Costa Vilas Boas e Maria Vitória Joaquina de Freitas; ele, filho do capitão Manoel da Costa Vilas Boas e Quitéria Inácia da Gama. Muitos casamentos importantes ali foram realizados; entre eles, podemos citar o do pai do famoso Conselheiro Dr. Loureço José Ribeiro, de nome Antônio Ribeiro de Carvalhaes, nascido em Portugal, na Freguesia de São Tiago de Carvalhaes, Conselho de Laxões, Bispado de Viseu, com a são-joanense Ana Maria de Matos, a 02/10/1780. Para se ter uma idéia da importância do Dr. Loureço, ele exerceu o cargo de Juiz de Direito do Rio de Janeiro e foi um dos fundadores do curso de Direito de Olinda. Foi também procurador da Fazenda. 

            Também a 17/11/1784, casaram-se na Capela de Matosinhos o conceituado maestro são-joanense, Alferes Loureço José Fernandes Brasiel e Ana Pimenta Severina Chaves. Deles descendeu o Dr. Nilo Brasiel Vale, advogado e militar graduado.

            Cantou sua primeira missa em Matosinhos, onde nasceu, o Revmo. Cónego Heitor Augusto da Trindade, que nasceu a 03/10/1867 e faleceu a 08/10/1955.

            A velha igreja que realmente nos últimos anos de sua existência era pequena para acomodar a população local, sendo que as pessoas que chegavam por último tinham que acompanhar a missa do lado de fora, sujeitando-se a ajoelharem-se no chão de terra. Sem dúvidas, uma igreja maior necessitava ser construída; mas, a exemplo da cidade de Aparecida do Norte, a velha deveria permanecer.

            Visitava-se também a sala dos milagres, para ver partes do corpo humano confeccionadas em madeira ou cera, doações ao Senhor Bom Jesus por milagres alcançados, bem como os ex-votos (pinturas retratando milagres alcançados), os quais eram dezenas e muitos deles contavam verdadeiros fatos hitóricos daquela época.

            Conta-se também que os militares da região, antes de partirem para a Guerra do Paraguai, foram rezar e pedir proteção ao Senhor Bom Jesus de Matosinhos, na velha igreja.

            Moradores famosos de Matosinhos, tais como, Coronel Pamplona, Coronel Pompeu, Joaquim Pedro de Souza Câmara, Dr. Guilherme Cavendish Lee, Padre Fernandes, Senador Gabriel Mendes dos Santos, Maria Angélica de Sá Menezes, Sebastião Sete, vários inconfidentes, entre outros, frequentaram assiduamente a famosa igreja demolida impiedosamente. Pois bem, parte dessa histórica construção foi vendida.

            A partir do ano de 2003, encabeçada pelo Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, com o apoio da Associação de Moradores e Amigos do Grande Matosinhos (ASMAT) uma ação civil pública foi proposta. A liminar requerida na Ação Civil Pública (ACP) do Ministério Público Estadual já foi concedida pelo Poder Judiciário. Os termos da medida liminar, resumidamente, determinam que os donos da Fazenda São Martinho da Esperança, que estão com a portada, a cerca de oito kilometros de Campínas-SP, não a retirem do local onde ela se encontra e nem a alienem, até ulterior determinação judicial, sob pena de busca e apreensão e, ainda, multa de R$100.000,00 para cada um dos requeridos. A ACP tramita na Comarca de São João del-Rei, sob o número 62508082432-3 - 2ª Vara Cível.

A portada foi vendida ao fazendeiro e banqueiro paulista por 5 mil cruzeiros, valor equivalente, hoje, a cerca de R$ 4,3 mil. O Ministério Público ingressou com a ação depois que o serviço de inteligência visitou a referida fazenda.

“A igreja foi demolida em uma época em que não havia preocupação em preservar o patrimônio. Ela não tinha o charme das igrejas do Centro, mais tradicionais”, mas era histórica, explica o promotor e curador do Patrimônio Cultural de São João del-Rei, Antônio Pedro da Silva Melo, um dos autores da ação civil pública.

Autorizado pelo bispo da época, Dom Delfim Ribeiro Guedes, a vender os bens da igreja para levantar fundos necessários à construção de um novo templo, o padre Jacinto Lovato não gostou dos protestos contra a demolição. Em carta enviada ao IHG, que estava à frente da briga, disse não aceitar “a intromissão de alheios à religião em assuntos de competência da mesma” e argumentou que as igrejas eram para “uso dos fiéis e não para serem contempladas como pura arte de construção”.

Moradores e amigos do Bairro de Matosinhos, consultada a diocese, já demonstraram a intenção de construir um memorial com a portada, bem próximo ao lugar onde ela ficava no passado. Pode-se até mesmo colocá-la ao lado da estátua da Deusa Ceres, monumento dos mais antigos (1887), ainda de pé nos dias de hoje, localizada defronte ao SENAI.

“A volta da portada pode motivar outras pessoas que sabem onde estão peças do patrimônio histórico de suas cidades a tentar buscá-las. Mesmo difícil, o processo vale a pena e serve de exemplo às novas gerações”, afirma o presidente do IHG de São João del-Rei, José Antônio de Ávila Sacramento.

*José Claudio Henriques é Tesoureiro da Academia de Letras, membro do IHG de São João del-Rei e autor dos livros: Bairro de Matosinhos, berço da cidade de São João del-Rei e, Maria Angélica, a desejada dos Inconfidentes.

José Cláudio Henriques - Coordenador Editorial

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