HISTÓRIA REGIONAL
COLUNISTA - JOSÉ CLÁUDIO HENRIQUES
A FESTA DE MATOSINHOS E A IGREJA DE 1774
Do livro: Bairro de Matosinhos, berço da cidade de São João del Rei, de José Cláudio Henriques.
A famosa festa de Matosinhos, como era conhecida, dedicada ao Divino Espirito Santo e ao Senhor Bom Jesus de Matosinhos, que naquele tempo comemorava-se conjuntamente, iniciou-se provavelmente com a inauguração da igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em 1774, pois, em 1783, ou seja, nove anos após, o Papa Pio VI já autorizava o Breve Pontifício em que dava indulgência plenária aos fiéis que, em um dos três dias de Pentecostes, tendo confessado e comungado, visitasse a igreja de Nosso Senhor Bom Jesus de Matosinhos da cidade de São João del Rei.
Até o ano de 1924, a festa era das mais animadas das Minas Gerais. Além da programação religiosa, contava com barraquinhas de jogos, quentão (bebida feita com aguardente e ervas), víspora, bingo, argola, com a qual o jogador tentava acertar um determinado objeto, e muitos outros festejos populares, tais como: Dança das Fitas, as Cavalhadas, corridas de touros, músicas e muita diversão no largo de Matosinhos, que era todo iluminado com lampiões e lanternas. Ainda não havia luz elétrica, a festa era durante o dia e à noite. Um coreto era montado no largo, para as corporações musicais que se revezavam durante os festejos. As festas normalmente eram encerradas com bandas de música e fogos de artifícios.
Fazia parte da festa, naquela época, a procissão de Santo Antônio, que partia da igreja de São Francisco para Matosinhos, sendo puxada pelo porta-bandeira Luciano Bonaparte, que se fardava ricamente e enfeitava seu cavalo a caráter. Quando a procissão chegava em Matosinhos, o povo delirava de entusiasmo.
Eram três dias de festas ininterruptos. Praticamente, toda a população da cidade participava, mesmo que os mais velhos acompanhassem parcialmente a procissão. Os cavaleiros chamados de artistas vestiam deslumbrantes roupas e montavam lindos cavalos, arreados com muito luxo e bom gosto. No palanque ficavam as autoridades ao lado de um Rei Mouro e de uma linda princesa. Os cavaleiros que conseguiam maior número de pontos recebiam importantes prendas e eram delirantemente cortejados pelas moças presentes.
A festa de Matosinhos era tão atrativa e fazia tanto sucesso, que os jornais daquela época, meses antes e meses depois falavam dela:
“Os Mesários do Divino Espírito Santo anunciam que a posse é no dia 1º de junho do corrente ano às três horas da tarde, e que pretendem levar Santo Antônio da Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco, para Matosinhos, com a decência possível como é de costume; para isso rogam a todas aquelas pessoas, que se quiserem aprontar de cavalo para acompanhar, o façam àquela hora impreterivelmente”. (Jornal “Astro de Minas” nº 1.019 – 20/05/1834)
“Estas paragens, onde há vastas e bellas chácaras, perpétuo pomar de variados frutos. Que linda garça campeia entre as verduras e a risonha capella do Senhor Bom Jesus de Mattosinhos, para onde afluem romeiros e grande multidão de povos por ocasião das festas do Divino Espirito Santo que celebravam-se com toda a magnificência, renovando-se algumas vezes os costumes antigos de cavalhadas, bailados e corrida de touros”. (Arauto de Minas - 1877).
“O Exmo. Sr. Barão de Carandahy mandou entregar ao Sr. Francisco Tiburcio, Procurador da festividade do Espirito Santo, em Mathosinhos, a quantia de 400$000 com que entra para o respectivo festejo, na qualidade de Imperador”. (O Arauto de Minas, 04/05/1879, n.9, ano 3).
“Além dos atos religiosos, as festas profanas tendem a atrair um sem número de romeiros e devotos que da redondeza e de longe correrão ao vizinho arraial, onde as casas tem subido a 100$000 de aluguel somente por três dias.” (Arauto de Minas, 17/05/1884).
“Em Matosinhos no Botequim Recreio das Famílias encontrarão as Exmas Famílias cômodos próprios e decentes onde se servirá com prontidão, aceio e preços razoáveis – jantares, almoços, ceias, cafés, sequilhos, comidas frias, vinhos, finos licores, doces de todas as qualidades.” (Arauto de Minas, 17/05/1884)
“Da boa ordem na festa, devemos algo à administração da estrada de ferro, pelo modo correcto e prático com que resolve normalmente o embarque e desembarque dos romeiros. Neste anno, notamos que além da boa ordem no serviço e fineza dos empregados, os 42 (quarenta e dois) trens, que correram em cada dia, correspondiam optimamente a frequência e exigência dos passageiros, sem atropêlo e sem prejuizo de material. E não é pouco em se tratando de consultar interesses e opiniões de cerca de 11.000 passageiros”.(Jornal “Ação Social” de 03/06/1917).
“Nestes dias de festa de Matosinhos em que as ruas ficam desertas e as casas no desamparo, nada de jóias, nem de valores em dinheiro expostos aos dedos rápidos e amestrados dos batedores de carteira profissionais (...) o direito não favorece aos que cochilam” (Jornal Ação Social, 11/06/1916).
O acesso ao bairro de Mattosinhos se fazia primitivamente pela tricentenária rua do Matola e, com a implantação da ferrovia Oeste de Minas, a condução das pessoas foi facilitada.
As festas iniciavam-se no domingo do Espírito Santo e terminavam na terça-feira, tradição que perdura até hoje na cidade de Matosinhos de Portugal, as quais são denominadas de “Romaria ao Senhor de Matosinhos”. Aqui, no Brasil, não se sabe por que o Senhor Bom Jesus de Matosinhos é comemorado no mês de setembro e não no dia de Pentecostes, conforme em Portugal.
O Jornal A Tribuna de São João del-Rei, de 30/05/1915, registraa utilização do famoso Pavilhão de Exposições de Matosinhos, novinho em folha, como restaurante e como teatro de fantoches. Registra também a utilização do cinema, pela primeira vez, na festa.
A participação da burquesia de São João del Rei, na festa de Matosinhos, era notória, a ponto de os jornais divulgarem propagandas de lojas localizadas no centro da cidade, com relação à venda de produtos para a festa, principalmente de roupas, já que os meses de maio e junho são frios.
O jornal São João D’el-Rey, Nº 18, de 20/05/1899, noticiava o seguinte:
“A companhia dirigida pelos snrs. Dario & Pinho, tem dado funcções repitidas e muito animadas. Já foram exhibidos a onça e o leão. Consta-nos que serão expostos em mattosinhos, durante as festas do Espirito Santo esses animaes. É occasião do público apreciar uma cousa aqui nunca vista”.
Mas ao lado dos devotos e dos que procuravam apenas diversões, surgiam os que exerciam as mais variadas comercializações. Parece que a jogatina no Pavilhão de Mattosinhos (Jaburu e Roleta) determinou em 1924 a supressão da festa. A imprensa local, tendo à frente o poeta Bento Ernesto Junior, protestou contra a drástica resolução do Exmo. Sr. Bispo de Mariana Dom Helvécio. E durante oito anos não se realizaram as animadas festas e somente a 15 de maio de 1932 recomeçaram as festas do Divino Espirito Santo, mas com programação sem jogatinas, as quais seguem neste ritmo até hoje.