HISTÓRIA REGIONAL
HORÁCIO OU O JUÍZO, por Afrânio Peixoto
Afrânio Peixoto (Lençóis, 1876-Rio de Janeiro, 1947) |
Tive a satisfação de publicar neste Blog do Braga minha tradução da "1ª Sátira (Livro I) de Horácio com comentários e breve notícia sobre sua vida e obra", em 24/09/2015. Devo confessar que esse meu trabalho resultou ser tão abrangente que não hesitei em transcrever aqui alguns de seus trechos na forma de Notas Explicativas que ora comento para esclarecer a monografia magistral de Afrânio Peixoto, intitulada "Horácio ou o Juízo", apresentada ou proferida em reunião da Academia Brasileira de Letras em 1935, ano em que se comemorava o bimilenário do nascimento do poeta latino.
Essa monografia de Afrânio Peixoto mereceu honrosa publicação no volume V da Revista da Academia Brasileira de Letras de 1936, bem como no livro de seu autor, "Pepitas", de 1942 e de várias edições posteriores. É desse livro que vou servir-me para digitar o magnífico "Horácio ou o Juízo", a primeira pepita do livro em questão.
Essa monografia de Afrânio Peixoto mereceu honrosa publicação no volume V da Revista da Academia Brasileira de Letras de 1936, bem como no livro de seu autor, "Pepitas", de 1942 e de várias edições posteriores. É desse livro que vou servir-me para digitar o magnífico "Horácio ou o Juízo", a primeira pepita do livro em questão.
Dadas as condições em que o discurso foi proferido, ou seja, no salão de reuniões da Academia Brasileira de Letras, e ouvido por eminentes Acadêmicos imortais, letrados brasileiros que seguramente tinham cursado as disciplinas "Língua Latina" e "Morfologia e Sintaxe Latina" por pelo menos cinco anos (na ocasião a formação ginasial e secundária era de cinco anos), achei conveniente escrever algumas notas explicativas, porque também tive a sorte de cursar essas disciplinas durante sete anos de minha formação secundária (quatro anos de curso ginasial e três de curso clássico), bem como ampliar tais conhecimentos com formação superior em duas universidades. Naquela época (década de 60), tais disciplinas eram pré-requisitos para os vestibulares de Jornalismo, Letras e Direito, pelo menos.
Antes, tentara localizar o trabalho na Internet – situação em que não precisaria digitar todo o texto de forma inédita – e no site da Academia Brasileira de Letras, mas minha busca foi em vão. Também não existe a obra digitalizada na rede. Restou-me então arregaçar as mangas (literalmente) e digitar as 15 páginas de que se compõe a referida monografia de Afrânio Peixoto, mas fi-lo com interesse e dedicação, uma vez que, através deste blog, poderão ter acesso a esse monumental trabalho de Afrânio Peixoto estudiosos, pesquisadores, acadêmicos e alunos de graduação e pós-graduação em Letras Clássicas. Quanto ao livro em si, o leitor pode garimpá-lo ou em um sebo ou na Estante Virtual, porque – reitero – não se encontra digitalizado na rede.
Devo finalmente confessar que me sinto orgulhoso de transcrever essa célebre monografia, num momento em que cresce o interesse pelas línguas clássicas, em especial o Grego e o Latim, em nosso País. E isso não é apenas um movimento nacional, mas também existente em Portugal. No portal português de Educação "educare.pt" pude comprovar que 2015 foi o "ano em que pela primeira vez os mais novos terão todos de aprender inglês, e que poderão também ter aulas de Latim e Grego, graças a um novo projeto de Introdução à Cultura e Línguas Clássicas". Tais notícias são alvissareiras, sobretudo quando se constata não ter sido definitivamente uma boa decisão excluir essas disciplinas do currículo escolar por serem consideradas "línguas mortas", cujo estudo foi infelizmente considerado "perda de tempo" pelos formuladores de uma determinada política educacional para os nossos países lusófonos. Em vários artigos neste Blog do Braga, mostrei que cientificamente se constata o contrário (ou seja, que o aprendizado do Latim e do Grego favorecem o estudo das línguas ocidentais em geral e da portugesa em particular), conforme provei no artigo "Grego antigo é aprendido na Inglaterra para melhorar o... Inglês" (01/09/2013) e "Humanidades, Língua Latina, Bento XVI e temas correlatos" (13/03/2013). Consta desse último, sobre o aprendizado da Língua Latina, um trecho em que João Paulo II assim se manifestou para os jovens de todas as nações:
"Dirigimo-nos especialmente aos jovens: numa época em que em algumas áreas, como sabemos, a língua latina e os valores humanos são menos apreciados, vocês devem aceitar com alegria o patrimônio dessa língua que a Igreja tem em alta estima e devem, com energia, torná-la frutífera. As bem conhecidas palavras de Cícero "Non tam præclarum est scire Latine, quam turpe nescire" (trad. Não é nada especial saber Latim: é uma vergonha não sabê-lo), em certo sentido, são dirigidas a vocês. Exortamo-los todos a erguer alto a tocha do Latim que é mesmo hoje um elo de unidade entre os povos de todas as nações". [Cf. 27 de novembro de 1978; AAS 71 (1979) 46]
II. Texto de "Horácio ou o Juízo" *
Por Afrânio Peixoto
A um poeta, pergunta um dia, o nosso Horácio ¹: Preferirias, insensato, fossem teus versos lidos nas escolas? E, peremptório, responde: Non ego. (Sat. I, 10,76). Pois foi-lhe o castigo, quasi imediato, da irônica posteridade. Com efeito, desde Cecílio Epirota ² , que introduziu nas classes os modernos poetas, até hoje, dois mil anos de sua glória...
O bárbaro que o vem louvar conheceu-o na escola, e o amou tanto, pesar disso, que, através da vida, não pôde fugir a pagar-lhe, hoje e aqui, um débito, de gratidão e de amor... Horácio, que nisso acharia mesmo conformação, haveria de perdoar a aventura, tocado de tão ingênua admiração.
Louvem-lhe outros qualidades mais vistosas ou apreciáveis: para mim tem êle a mais rara, e, por isso, incomparável. Num panteão, entre todos os poetas, seu galardão seria êste, que não é de poetas, isso que ninguém mais tem, hoje em dia – o juízo... Como êste juízo falta a todo o mundo – condutores de povos, sacerdotes, filósofos, crentes, moralistas, sábios, mestres, toda a gente, – bem é que se louve, na sua vida e na sua poesia, a quem foi modelo constante e perene, dessa maravilha das maravilhas – juízo!
É o elogio de Horácio. Nasce em Venusa, na Apúlia, a 8 de Dezembro de 65 antes de nossa éra, e, com os 35 deste século, somam-se os dois mil anos em que isso foi. De pai humilde nasceu, que tinha pequeno emprego, cobrador de leilões, e privando depois com Mecenas ³, um ministro, e Augusto, um imperador, não o dissimula: homem de nascimento obscuro como eu, diz êle mesmo. Mas a esse pai, pater optimus (Sat. I, 4, 105), diz ainda, deve o que é. É êle que o conduz à escola, em Roma, dando-lhe os melhores mestres e os mais decentes vestidos, gastando nessa educação todo o pequeno pecúlio que o trabalho e as privações ajuntaram. Que importa – ignotos ut me libertino patre natum (Sat. I, 6, 6) – um pai ilustre e nobres avós, a quem tem um dêstes? Declarou Horácio que, se, por milagre, pudesse volver atrás e ter o dom de escolher onde nascesse, contente do seu, era a êle que iria a sua preferência... Saudemos, comovidos, a esse pai de Horácio. "Se minha vida é honesta e pura, se sou caro a meus amigos, causa fuit pater his... (Sat. I, 6, 71-93) é a meu pai que o devo...
De Roma a educação se perfez, como era a regra da boa gente, em Atenas. O pequeno patrimônio ia esgotar-se, quando, entusiasmado com outros condiscípulos, pela causa republicana, faz-se soldado Horácio, seguindo a Bruto, até Filipos. Apesar de tribuno militar, comandante de uma legião, nas aperturas da batalha, tem o poeta de abandonar o escudo, para salvar a vida. É êle quem o conta e ninguém o saberia, se não fosse a sua sinceridade (Carm. II, 5, 10). Curado da aventura guerreira, ei-lo em Roma decisis humilem pennis, de asas quebradas. (Ep. II, 2, 50).
Sobrevem a amizade de Vergílio, que iria ser animæ dimidium meæ (Carm. I, 3, 8), metade de sua alma, e que o apresenta a Mecenas. Namora-se o ministro do juízo dêle, como era namorado da ternura do outro, e ficam os três correndo em amizade, uma dessas amizades clássicas que são honra do coração humano. O mais favorecido é, sem dúvida, o ministro, que aos amigos deve a imortalidade. Na vida, entretanto, entre homens desiguais pela fortuna do poder e da riqueza, não há sombra de dependência. Vergílio era tão digno, apesar de modesto, que recusa os bens de um exilado, que lhe oferecem e era vantagem pessoal, senão sinal de adesão à nova ordem romana, aceitá-los. É Donato ⁴ quem o conta. Horácio nem um só louvor fez aos versos de Mecenas, por onde entraria mais depressa no coração do poderoso. Só provocado, ou solicitado, dirigiu versos a Augusto. Translada, entretanto, Suetônio, carta de Augusto a Mecenas, convidando Horácio a seu secretário, e é o pobre poeta que o recusa, a esse posto, de proveito e evidência. Que homem de letras se excursaria a tal honra e tantas vantagens, que, mesmo aqui, no humilde Brasil, leva, pelo menos, ao tribunal de contas? Só há, na história literária, outro exemplo, o de outro poeta, o nosso saudoso Mário de Alencar, que faz parelha a Horácio. Entretanto, ambos pobres, continuaram, graças ao juízo, sem honras, nem vantagens, mas com a poesia. Poetas!
Seduzido o ministro, a tanto juízo, procura, bom amigo, o que lhe convém: dá-lhe, de presente, uma terrinha, na Sabina, o único bem que virá a possuir: Satis beatus unicis Sabinis... (Carm. II, 17, 3). Contente e feliz, não quer Horácio mais nada. "Feliz, diz êle, o que longe do mundo e como os homens de outro tempo, lavra com os próprios bois o campo que seus pais cultivaram..." Mas a uma exigência, está o poeta a dizer ao amigo: "Diga-me uma só palavra e, sem pesar, lhe restituo tudo o que recebi." (Ep. I, 1, 8). Mecenas confirma a dádiva e a amizade...
Nada mais deseja. Ara o campo. Dorme às sestas, na relva. Não tem decepções às colheitas. A fome é o molho às refeições parcas (Sat. II, 2, 38). Quacumque libido est, incedo solus, vou, onde quer que me leve a fantasia. (Sat. I, 6, 141-2). É a independência. Não inveja a ninguém, e menos a Mecenas, o amigo...
Pobre Mecenas, aos cuidados do Estado, com imenso poder, a governar, e a ser governado pelo imperador. Com uma jerarquia que vinha de antigos reis, (Carm. I, 1, 1) de soberanos etruscos, o que obriga à compostura, o que será, às vezes, o martírio... Sobretudo, pobre Mecenas, com uma mulherzinha, linda e trêfega, com quem casara já tarde, o que é cedo de mais, e melhor fôra se nunca fôsse... Um desastre, dos muitos desastres dêstes. Para isso, viviam os dois brigando, êle ciumes, o trivial, também ela o trivial dêsses pares ímpares, a infidelidade. Enganava-o com todo o mundo e Augusto, o Imperador, não havia de fazer exceção. Não queria, porém, pesar disso, deixar de ser Mme. Mecenas... O marido desforrava-se com a briga e com o divórcio. Brigas e divórcios devia dizer, porque Sêneca diz, de Mecenas, que casou mais de cem vezes embora, ou em má hora, com a mesma mulher... O desgraçado, apesar de tudo, não podia viver sem Terência, nem com Terência. O verso de Ovídio a Corina retrataria tal situação: Nec sine te, nec tecum, vivere possum. Nem contigo, nem sem ti...
Horácio via isso e se acautelava. As mulheres quasi se ausentam de sua vida e de sua poesia. Ao menos, as confessáveis... porque a tradição lhe ficou, de incontinência. Uma vez confessou que um lento amor o consumia por Glicera. Carpe diem, goza da hora que passa, aconselhava a Leuconoe: naturalmente, na sua companhia. (Carm. I, 10, 8). Apesar de querer morrer com Lídia, vive sem ela. (Carm. III, 1). Naturalmente, seriam amores castos, estes, porque aos amigos aconselha não se inflamem senão por paixões honestas, amore ingenuo... (Carm. I, 22, 46-7). Modesto ou ajuizado em tudo, Horácio repara que Neera não vinha mais, quando êle a chamava... Porque? (Carm. IV, 1, 7). Porque, diz êle, em outro passo: "Não se deve maliciar dos que já têm oito lustros..." Quarenta anos... (Carm. II, 4, 22-4). Dom Juan tem, hoje, cincoenta e tantos. Anatole France, um ímpio, como Henri Bordeaux, um piedoso, afirmam que são presumidos aqueles que, antes dessa idade, falam de amor. Nada saberão, como perícia, antes de meio século... Também mulher, só será mulher, para Balzac, quando la femme de trente ans. É o que um humourista irreverente poderia dizer: "o ponto de bala"... Horácio, aos quarenta, tinha feito suas contas com o mundo. Como havia de ter pena do amigo Mecenas, cujos cabelos brancos e raros casavam, e descasavam, com a coma negra e irrequieta de Terência!
Nessa idade abdominal, dos quarenta anos, talvez se visse mal ao espelho de decepções, que serão sempre os olhos amados, e não amantes, e essa desconfiança não os faria mais amáveis... Augusto, troçando-o, amavelmente, comparava a sua rotunda corpolência à dos tonéis, a dos barris e barricas... Suetônio depõe, de Horácio, que era brevis atque obesus, pequeno e repleto, retaco... Quando se tem o dom da análise, isto ensina juízo... Horácio deu-se aos outros encantos da vida. Mas, em todos, pôs, êsse grão de tempero, êsse nem mais nem menos, que é o bom senso. Nem na virtude quis ser demasiado, como convém, ainda à santidade, viria a dizer São Paulo. É bom, às vezes, esquecer a regra, dulce est desipere in loco, (Carm. IV, 12, 28) para lhe dar todo o valor, quasi sempre; esquecer-se, tal ocasião, na loucura, para que o juízo tenha seu prêmio, todas as outras ocasiões. Horácio é mais do que a virtude, ou a sabedoria; Horácio é a conformidade, o juízo. Bem mais raro e mais feliz...
Por isso, de sua obra, se extrairia uma regra de bem viver, "horaciana"... Será a outra homenagem, que lhe prestarei um dia: juntar, gema a gema, seus belos versos lapidares, e, com êles, reconstruir êsse breviário da mediocridade, um colar de justos preceitos, para a felicidade...
Que é isso, de fato, essa palavra, de que tanto por aí se presume? Será uma saúde e uma fôrça, transbordantes? Mas êsses, sadios e fortes, não serão excessivos e cruéis, por confiantes e confiados? Será uma inteligência genial... Mas, tal, soi ser soberba e dará nas pretenções. A beleza é vã e intratável. Insuportável e tediosa a virtude... A dos outros, porque virtuosos somos todos, ainda sem ela... Será a felicidade uma mulher bonita, um grande amor? Ai dêsses que o alcançam... Têm belas noites e dias terríveis. Vivem no zêlo, na inquietação, vivendo mil mortes... Não; a mais cara das felicidades. E a sorte grande? Só os pedidos, as ofertas de bons negócios dão vontade de não se tirar coisa alguma. Já sei... o poder! Ouçam os poderosos, quando caem... Porque poder é altura e traz queda. Vale a pena ter sido César, Napoleão, tzar da Rússia ou kaiser alemão? Helena ou Catarina, Cleópatra ou Josefina, mundana aplaudida que envelhece, ou festejada atriz que vê outras atrizes mais moças e mais festejadas?
Não, não é a felicidade nada disso. Não é o gôzo contínuo de mil pequeninas comodidades oportunas? É o nosso leito, nem quente, nem frio, tépido e confortável, onde um bom sono, nem leve nem pesado, nos acolheu. São todas as pequenas satisfações, que, a seu tempo, a vida pode ir dando, todos os momentos, e fazem um dia sereno e ocupado, tão breve que passou e já é noite, tão bem dormida a noite que já amanheceu outro dia feliz... Dias e noites sem história. Sem histórias. E os dias e noites, sem estremeções nem fadigas, somam meses contentes e rápidos, anos felizes e breves – já dez, vinte anos passados... "Não demos acôrdo!" E já entardece; as têmporas branquejam e, sem melancolia, se vê o crepúsculo que ocorre, sem pressa, para dar o contentamento de se ter bem vivido, e pensar, sem amargor, no descanso final... Que venha a morte – rápida para os que os deuses amam, – mas, ainda agoniada, não durará muito, entre esperanças, afeições, discórdias dos médicos e mudanças de remédios, que sempre iludem, até o fim... A vida é feliz quando nem a dôr, nem a fadiga, nem principalmente êsse inimigo mortal do homem – o tédio – nos assaltou e venceu. A felicidade é um pouco de sorte, com muito juízo...
Horácio foi feliz. Por isso mesmo, essa felicidade, como a definiu, é a mediocridade. A aurea mediocritas (Carm. II, 7, 5-8), diz êle, como não o é o próprio oiro, da riqueza, da beleza, da fôrça ou do poder. Feliz, confessou êle, o que recebeu de um deus, pouco liberal, justamente o que baste para viver honestamente, (Carm. III, 16, 42-5), porque multa petentibus, desunt multa, é carecer de mil coisas o desejá-las. A indiferença, a ataraxia, é o ser dos bem-aventurados. Na vida será, pois que o destino não é nosso, mas, se não imposto, procurado, procure-se contrariá-lo, se é mau, com o juízo ou a conformidade. Vestir-se cada qual às suas medidas e calçar ao tamanho do pé, – eis a sabedoria: metiri se quemque suo modulo ac pede verum est. (Carm. I, 7, 97). ⁵ A felicidade da nação é, como a nossa, feita de justiça, que é a conformidade social. O ideal é o lugar devido a cada qual, est locus uni cuique suus... (Sat. I, 9, 51-2). Mas, se, ainda assim, os homens todos nos envolverem na tormenta injusta e o destino mau nos ferir imerecidamente, nem por isso desesperemos e, face amável à ruim ocasião, et amara lento temperet risu (Carm. II, 13, 26-7), adoce um alegre sorriso a nossa pena... É o sense of humour, de Horácio.
Não é, tal filosofia da comodidade, essa de Horácio, capaz de lhe tirar a clarividência nem ao tempo, sem sôbre os poderosos, com quem também convivia. Outrora, diz êle, os homens não tinham o fausto de hoje, mas era o Estado, ao envês, repleto de bens ⁶ (Carm. II, 12, 13-4). A conclusão, pode-se tirar, a comunidade é pobre, porque alguns dos cidadãos são imensamente ricos... Não é a crítica do capitalismo? Cur eget indignus quisque te divite, por que há gente pobre, que sofre injustamente, quando tu és rico? Horácio é subversivo (Sat. II, 2, 103), pois que é pela justiça social...
Ouvi ainda. Quidquid delirant reges, plectuntur Achivi (Ep. I, 2, 14), todas as loucuras dos soberanos recaem sôbre o povo... E quem paga, finalmente, somos o povo, e, o que é o mesmo, os contribuintes, o que por nós decidem, os que se dão à glória e ao arbítrio de nos governar, e nos dão a guerra, as crises, as revoluções, a ruína, a morte, por seu talante, seu orgulho, sua incapacidade. Por não terem juízo. Não é o libelo-crime acusatório, num verso, ao govêrno pessoal, o único que os homens até hoje souberam ou puderam inventar?
A fonte do Lusitano foi o Latino. Horácio, na Ode IX do Livro IV dos Carmes, dissera: "Helena não foi a única que arde de amor profano, vendo uns cabelos bem penteados, vestes bordadas a oiro, um fausto real e um brilhante cortejo; Teucro não foi o primeiro que sôbre um arco Cidon lançou suas flechas; Ílion suportou mais de um circo; Stenelus e o grande Idomeneu não foram os únicos que deram combates dignos de ser cantados pelas musas; antes do altivo Heitor e do ardente Déifobo, heróis tinham recebido cruéis feridas, pela defesa de castas espôsas e filhos; multidão de bravos guerreiros viveu antes de Agamenão: mas lhe faltou um poeta para consagrar sua memória e todos eles se sepultaram, sem pesar e sem nome, no eterno esquecimento. O herói, ignorado do povo, pouco difere, no túmulo, do anônimo covarde." É, pois, a poesia que proclama e dá glória. Sem o amor da arte, que assim cria os heróis, não há também poetas, e Camões conclue:
Camões lêra o seu Horácio, como o seu Vergílio, "que sempre se lhe sabe à cabeceira" ¹⁰, e se lhe sentem, na musa, os acentos de uma ascendência que o honra e a que êle não desmerece.
A família de Horácio, a descendência espiritual, grandes e pequenos, somos porém todos nós, que, desde a escola, vimos dêle impregnados, dêsses versos que se acomodam tanto às situações da vida, que passam quasi a provérbios... Quid leges sine moribus? (Carm. III, 24, 35). Para que leis, sem os costumes? Utilitas justi propè mater et æqui, é a utilidade a mãe da justiça;o direito é o interêsse protegido (Sat. I, 3, 98).
A conversação dêsse poeta antigo, aliás, nos ensina muita cisa moderna. Coisas que diríamos nossas, atuais, já eram dêle, se eram romanas, mas é por êle que as conhecemos. Ouvi que um dos nossos mais brejeiros políticos censurava a amigo ter levado a mulher a Paris: "Trouxe pinho para a Suécia", comentava êle. Já os antigos diziam: "levar corujas para Atenas", onde elas sobravam. Mas Horácio diz textualmente, in silvam non ligna feras (Sat. I, 10, 34)... Não levarias lenha para o mato...
Aos Americanos é refrém, de imoralidade, um conselho, que, dizem, dão os pais aos filhos: make money... honestly if you can... but, make money. Já era simplesmente o mesmo conselho que Horácio verbera, no seu tempo, a certos compatriotas: Rem facias, rem, recte si possis, quocumque modo, rem... (Ep. I, 1, 65-6). Arranja dinheiro, se puderes honestamente, se não, de qualquer maneira, arranja dinheiro. Horácio moralista é, desta vez, contra, não o bom senso, mas o senso comum...
Este mestre da vida, da vida honesta e proba tinha, aliás, da Poesia, a noção de um sacerdócio. Poesia, para êle, era educação. "A criança que apenas balbucia dá à poesia seus primeiros acentos e habitua a bôca noviça a uma nobre linguagem pura; logo por doces preceitos seu coração se dispõe à virtude; a maldade é corrigida; nobres feitos são louvados; ao presente mostra as ações gloriosas do passado; consola finalmente o pobre e o aflito. Às virgens inocentes traz o casto amor. Pelos córos, leva as orações a Deus, e suplica a paz e a abundância. A poesia é soberana no céu e no inferno (Ep. II, 1, 126-131).
Porque viveu vida digna e amou e realizou a poesia sincera, a perdurável imortalidade em que seu juízo confiara: Exegi monumentum ære perennius... fiz, disse êle, mais durável monumento do que o bronze...
Fê-lo, de fato. Assim foi, assim vai sendo, e já faz dois mil anos!
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* Comemoração do bimilenário, em 1935, na Academia Brasileira (Rev. da Ac. Br., Rio, 1936, vol. V, p. 178-188)
Fonte: PEIXOTO, AFRÂNIO: PEPITAS: novos ensaios de críticas e de história. 1ª pepita: "Horácio e o Juízo", p. 7-22.
É o elogio de Horácio. Nasce em Venusa, na Apúlia, a 8 de Dezembro de 65 antes de nossa éra, e, com os 35 deste século, somam-se os dois mil anos em que isso foi. De pai humilde nasceu, que tinha pequeno emprego, cobrador de leilões, e privando depois com Mecenas ³, um ministro, e Augusto, um imperador, não o dissimula: homem de nascimento obscuro como eu, diz êle mesmo. Mas a esse pai, pater optimus (Sat. I, 4, 105), diz ainda, deve o que é. É êle que o conduz à escola, em Roma, dando-lhe os melhores mestres e os mais decentes vestidos, gastando nessa educação todo o pequeno pecúlio que o trabalho e as privações ajuntaram. Que importa – ignotos ut me libertino patre natum (Sat. I, 6, 6) – um pai ilustre e nobres avós, a quem tem um dêstes? Declarou Horácio que, se, por milagre, pudesse volver atrás e ter o dom de escolher onde nascesse, contente do seu, era a êle que iria a sua preferência... Saudemos, comovidos, a esse pai de Horácio. "Se minha vida é honesta e pura, se sou caro a meus amigos, causa fuit pater his... (Sat. I, 6, 71-93) é a meu pai que o devo...
De Roma a educação se perfez, como era a regra da boa gente, em Atenas. O pequeno patrimônio ia esgotar-se, quando, entusiasmado com outros condiscípulos, pela causa republicana, faz-se soldado Horácio, seguindo a Bruto, até Filipos. Apesar de tribuno militar, comandante de uma legião, nas aperturas da batalha, tem o poeta de abandonar o escudo, para salvar a vida. É êle quem o conta e ninguém o saberia, se não fosse a sua sinceridade (Carm. II, 5, 10). Curado da aventura guerreira, ei-lo em Roma decisis humilem pennis, de asas quebradas. (Ep. II, 2, 50).
Sobrevem a amizade de Vergílio, que iria ser animæ dimidium meæ (Carm. I, 3, 8), metade de sua alma, e que o apresenta a Mecenas. Namora-se o ministro do juízo dêle, como era namorado da ternura do outro, e ficam os três correndo em amizade, uma dessas amizades clássicas que são honra do coração humano. O mais favorecido é, sem dúvida, o ministro, que aos amigos deve a imortalidade. Na vida, entretanto, entre homens desiguais pela fortuna do poder e da riqueza, não há sombra de dependência. Vergílio era tão digno, apesar de modesto, que recusa os bens de um exilado, que lhe oferecem e era vantagem pessoal, senão sinal de adesão à nova ordem romana, aceitá-los. É Donato ⁴ quem o conta. Horácio nem um só louvor fez aos versos de Mecenas, por onde entraria mais depressa no coração do poderoso. Só provocado, ou solicitado, dirigiu versos a Augusto. Translada, entretanto, Suetônio, carta de Augusto a Mecenas, convidando Horácio a seu secretário, e é o pobre poeta que o recusa, a esse posto, de proveito e evidência. Que homem de letras se excursaria a tal honra e tantas vantagens, que, mesmo aqui, no humilde Brasil, leva, pelo menos, ao tribunal de contas? Só há, na história literária, outro exemplo, o de outro poeta, o nosso saudoso Mário de Alencar, que faz parelha a Horácio. Entretanto, ambos pobres, continuaram, graças ao juízo, sem honras, nem vantagens, mas com a poesia. Poetas!
Seduzido o ministro, a tanto juízo, procura, bom amigo, o que lhe convém: dá-lhe, de presente, uma terrinha, na Sabina, o único bem que virá a possuir: Satis beatus unicis Sabinis... (Carm. II, 17, 3). Contente e feliz, não quer Horácio mais nada. "Feliz, diz êle, o que longe do mundo e como os homens de outro tempo, lavra com os próprios bois o campo que seus pais cultivaram..." Mas a uma exigência, está o poeta a dizer ao amigo: "Diga-me uma só palavra e, sem pesar, lhe restituo tudo o que recebi." (Ep. I, 1, 8). Mecenas confirma a dádiva e a amizade...
Nada mais deseja. Ara o campo. Dorme às sestas, na relva. Não tem decepções às colheitas. A fome é o molho às refeições parcas (Sat. II, 2, 38). Quacumque libido est, incedo solus, vou, onde quer que me leve a fantasia. (Sat. I, 6, 141-2). É a independência. Não inveja a ninguém, e menos a Mecenas, o amigo...
Pobre Mecenas, aos cuidados do Estado, com imenso poder, a governar, e a ser governado pelo imperador. Com uma jerarquia que vinha de antigos reis, (Carm. I, 1, 1) de soberanos etruscos, o que obriga à compostura, o que será, às vezes, o martírio... Sobretudo, pobre Mecenas, com uma mulherzinha, linda e trêfega, com quem casara já tarde, o que é cedo de mais, e melhor fôra se nunca fôsse... Um desastre, dos muitos desastres dêstes. Para isso, viviam os dois brigando, êle ciumes, o trivial, também ela o trivial dêsses pares ímpares, a infidelidade. Enganava-o com todo o mundo e Augusto, o Imperador, não havia de fazer exceção. Não queria, porém, pesar disso, deixar de ser Mme. Mecenas... O marido desforrava-se com a briga e com o divórcio. Brigas e divórcios devia dizer, porque Sêneca diz, de Mecenas, que casou mais de cem vezes embora, ou em má hora, com a mesma mulher... O desgraçado, apesar de tudo, não podia viver sem Terência, nem com Terência. O verso de Ovídio a Corina retrataria tal situação: Nec sine te, nec tecum, vivere possum. Nem contigo, nem sem ti...
Horácio via isso e se acautelava. As mulheres quasi se ausentam de sua vida e de sua poesia. Ao menos, as confessáveis... porque a tradição lhe ficou, de incontinência. Uma vez confessou que um lento amor o consumia por Glicera. Carpe diem, goza da hora que passa, aconselhava a Leuconoe: naturalmente, na sua companhia. (Carm. I, 10, 8). Apesar de querer morrer com Lídia, vive sem ela. (Carm. III, 1). Naturalmente, seriam amores castos, estes, porque aos amigos aconselha não se inflamem senão por paixões honestas, amore ingenuo... (Carm. I, 22, 46-7). Modesto ou ajuizado em tudo, Horácio repara que Neera não vinha mais, quando êle a chamava... Porque? (Carm. IV, 1, 7). Porque, diz êle, em outro passo: "Não se deve maliciar dos que já têm oito lustros..." Quarenta anos... (Carm. II, 4, 22-4). Dom Juan tem, hoje, cincoenta e tantos. Anatole France, um ímpio, como Henri Bordeaux, um piedoso, afirmam que são presumidos aqueles que, antes dessa idade, falam de amor. Nada saberão, como perícia, antes de meio século... Também mulher, só será mulher, para Balzac, quando la femme de trente ans. É o que um humourista irreverente poderia dizer: "o ponto de bala"... Horácio, aos quarenta, tinha feito suas contas com o mundo. Como havia de ter pena do amigo Mecenas, cujos cabelos brancos e raros casavam, e descasavam, com a coma negra e irrequieta de Terência!
Nessa idade abdominal, dos quarenta anos, talvez se visse mal ao espelho de decepções, que serão sempre os olhos amados, e não amantes, e essa desconfiança não os faria mais amáveis... Augusto, troçando-o, amavelmente, comparava a sua rotunda corpolência à dos tonéis, a dos barris e barricas... Suetônio depõe, de Horácio, que era brevis atque obesus, pequeno e repleto, retaco... Quando se tem o dom da análise, isto ensina juízo... Horácio deu-se aos outros encantos da vida. Mas, em todos, pôs, êsse grão de tempero, êsse nem mais nem menos, que é o bom senso. Nem na virtude quis ser demasiado, como convém, ainda à santidade, viria a dizer São Paulo. É bom, às vezes, esquecer a regra, dulce est desipere in loco, (Carm. IV, 12, 28) para lhe dar todo o valor, quasi sempre; esquecer-se, tal ocasião, na loucura, para que o juízo tenha seu prêmio, todas as outras ocasiões. Horácio é mais do que a virtude, ou a sabedoria; Horácio é a conformidade, o juízo. Bem mais raro e mais feliz...
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Por isso, de sua obra, se extrairia uma regra de bem viver, "horaciana"... Será a outra homenagem, que lhe prestarei um dia: juntar, gema a gema, seus belos versos lapidares, e, com êles, reconstruir êsse breviário da mediocridade, um colar de justos preceitos, para a felicidade...
Que é isso, de fato, essa palavra, de que tanto por aí se presume? Será uma saúde e uma fôrça, transbordantes? Mas êsses, sadios e fortes, não serão excessivos e cruéis, por confiantes e confiados? Será uma inteligência genial... Mas, tal, soi ser soberba e dará nas pretenções. A beleza é vã e intratável. Insuportável e tediosa a virtude... A dos outros, porque virtuosos somos todos, ainda sem ela... Será a felicidade uma mulher bonita, um grande amor? Ai dêsses que o alcançam... Têm belas noites e dias terríveis. Vivem no zêlo, na inquietação, vivendo mil mortes... Não; a mais cara das felicidades. E a sorte grande? Só os pedidos, as ofertas de bons negócios dão vontade de não se tirar coisa alguma. Já sei... o poder! Ouçam os poderosos, quando caem... Porque poder é altura e traz queda. Vale a pena ter sido César, Napoleão, tzar da Rússia ou kaiser alemão? Helena ou Catarina, Cleópatra ou Josefina, mundana aplaudida que envelhece, ou festejada atriz que vê outras atrizes mais moças e mais festejadas?
Não, não é a felicidade nada disso. Não é o gôzo contínuo de mil pequeninas comodidades oportunas? É o nosso leito, nem quente, nem frio, tépido e confortável, onde um bom sono, nem leve nem pesado, nos acolheu. São todas as pequenas satisfações, que, a seu tempo, a vida pode ir dando, todos os momentos, e fazem um dia sereno e ocupado, tão breve que passou e já é noite, tão bem dormida a noite que já amanheceu outro dia feliz... Dias e noites sem história. Sem histórias. E os dias e noites, sem estremeções nem fadigas, somam meses contentes e rápidos, anos felizes e breves – já dez, vinte anos passados... "Não demos acôrdo!" E já entardece; as têmporas branquejam e, sem melancolia, se vê o crepúsculo que ocorre, sem pressa, para dar o contentamento de se ter bem vivido, e pensar, sem amargor, no descanso final... Que venha a morte – rápida para os que os deuses amam, – mas, ainda agoniada, não durará muito, entre esperanças, afeições, discórdias dos médicos e mudanças de remédios, que sempre iludem, até o fim... A vida é feliz quando nem a dôr, nem a fadiga, nem principalmente êsse inimigo mortal do homem – o tédio – nos assaltou e venceu. A felicidade é um pouco de sorte, com muito juízo...
Horácio foi feliz. Por isso mesmo, essa felicidade, como a definiu, é a mediocridade. A aurea mediocritas (Carm. II, 7, 5-8), diz êle, como não o é o próprio oiro, da riqueza, da beleza, da fôrça ou do poder. Feliz, confessou êle, o que recebeu de um deus, pouco liberal, justamente o que baste para viver honestamente, (Carm. III, 16, 42-5), porque multa petentibus, desunt multa, é carecer de mil coisas o desejá-las. A indiferença, a ataraxia, é o ser dos bem-aventurados. Na vida será, pois que o destino não é nosso, mas, se não imposto, procurado, procure-se contrariá-lo, se é mau, com o juízo ou a conformidade. Vestir-se cada qual às suas medidas e calçar ao tamanho do pé, – eis a sabedoria: metiri se quemque suo modulo ac pede verum est. (Carm. I, 7, 97). ⁵ A felicidade da nação é, como a nossa, feita de justiça, que é a conformidade social. O ideal é o lugar devido a cada qual, est locus uni cuique suus... (Sat. I, 9, 51-2). Mas, se, ainda assim, os homens todos nos envolverem na tormenta injusta e o destino mau nos ferir imerecidamente, nem por isso desesperemos e, face amável à ruim ocasião, et amara lento temperet risu (Carm. II, 13, 26-7), adoce um alegre sorriso a nossa pena... É o sense of humour, de Horácio.
Não é, tal filosofia da comodidade, essa de Horácio, capaz de lhe tirar a clarividência nem ao tempo, sem sôbre os poderosos, com quem também convivia. Outrora, diz êle, os homens não tinham o fausto de hoje, mas era o Estado, ao envês, repleto de bens ⁶ (Carm. II, 12, 13-4). A conclusão, pode-se tirar, a comunidade é pobre, porque alguns dos cidadãos são imensamente ricos... Não é a crítica do capitalismo? Cur eget indignus quisque te divite, por que há gente pobre, que sofre injustamente, quando tu és rico? Horácio é subversivo (Sat. II, 2, 103), pois que é pela justiça social...
Ouvi ainda. Quidquid delirant reges, plectuntur Achivi (Ep. I, 2, 14), todas as loucuras dos soberanos recaem sôbre o povo... E quem paga, finalmente, somos o povo, e, o que é o mesmo, os contribuintes, o que por nós decidem, os que se dão à glória e ao arbítrio de nos governar, e nos dão a guerra, as crises, as revoluções, a ruína, a morte, por seu talante, seu orgulho, sua incapacidade. Por não terem juízo. Não é o libelo-crime acusatório, num verso, ao govêrno pessoal, o único que os homens até hoje souberam ou puderam inventar?
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Para nós sobretudo, homens de letras, é Horácio mestre de literatura. O maior lírico de Roma, sem dúvida. Se não nos parece tamanho, como Lucrécio ou como Vergílio, é porque foram êsses excessivos e, então, com as desvantagens dessa demasia. Lucrécio é o maior poeta filosófico e sábio da humanidade e a De rerum naturæ o máximo poema leigo da natureza, da vida, da tristeza, do consolo de pensar. Vergílio é o mais terno, doce e piedoso dos grandes épicos da humanidade, a quem a dôr e o heroísmo não impediu sentir o sofrimento e a compleição humana, que está dentro e atrás dos heróis e dos deuses; seu poema terá como progênie a Divina Comédia, a Jerusalém libertada, o Paraíso Perdido, Os Lusíadas... Que importa? Horácio é a vida inteira, a vida de todos, sem cimos de pensamento ou de epopéia, o quotidiano, o trivial, o constante, todos os instantes da vida. Ganha, em extensão de tempo e espaço, o que os outros alcançaram, em altura e rapidez... Horácio é contínuo e plano. Horácio não é para dias solenes de festa... Horácio é para todo o dia...
Renovou a sátira, quasi sub-gênero novo, sermones, diz êle, ou conversações; criou a epístola; trouxe à latinidade metros novos à ode, fazendo o encanto dessa poesia breve, onde, disse Goethe, se podem casar pequeninos nadas, que seriam malvados na prosa ou no poema. Na "Arte Poética", já, desde Quintiliano, assim chamada, como se deve, a essa epístola, está todo um compêndio de estética literária. Scribendi recte sapere, est et principium et fons (Ad. Pis., 309). O bom senso é toda a arte de escrever. Não se espere a inspiração: Dimidium facti, qui cœpit, habet, (Ep. I, 2, 40) tarefa começada é meio terminada. Naturalidade, sinceridade. Naturam expellas furca, tamen usque recurret (Ep. I, 10, 24): chassez le naturel, il revient au galop, traduzirá Boileau. Em literatura, como na vida – são tão diferentes assim? – Horácio é o mesmo, o mesmo juízo, o gênio do bom senso. Aqui, porém, não é comum, nem medíocre, é certo. Odi profanum vulgus et arceo (Carm. III, 1, 1). Temo a vulgaridade e fujo dela... E ao cabo da carreira tem a certeza de ter chegado, à meta da imortalidade, por isso mesmo, invulgar originalidade. Non omnis moriar, não morrerei completamente (Carm. III, 30, 1-6) ⁷.
Imitam-no os líricos menores da latinidade. No Renascimento e na Idade-moderna é o mestre. O "Elogio da Loucura" de Erasmo é amplificação de certas passagens de Horácio, nas "Sátiras"e nas "Epístolas". La Fontaine e Voltaire lhe são devedores contínuos. Boileau, êsse, chega à perífrase e a tradução não confessada. Si vis me flere, dolendum est primum ipsi tibi... (Ad. Pis. 102). Pour me tirer des pleurs il fault que vous pleuriez...⁸
Uma das mais belas passagens de Camões nos "Lusíadas", severa ⁹ e justa, é aquela em que o Poeta, nas estâncias de mármore e bronze, traça uma teoria do merecimento, louvado e criado pela arte. Cipiões, Césares, Alexandros e Augustos, se bravos e fortes, compunham, entretanto, "versos doutos e venustos":
Renovou a sátira, quasi sub-gênero novo, sermones, diz êle, ou conversações; criou a epístola; trouxe à latinidade metros novos à ode, fazendo o encanto dessa poesia breve, onde, disse Goethe, se podem casar pequeninos nadas, que seriam malvados na prosa ou no poema. Na "Arte Poética", já, desde Quintiliano, assim chamada, como se deve, a essa epístola, está todo um compêndio de estética literária. Scribendi recte sapere, est et principium et fons (Ad. Pis., 309). O bom senso é toda a arte de escrever. Não se espere a inspiração: Dimidium facti, qui cœpit, habet, (Ep. I, 2, 40) tarefa começada é meio terminada. Naturalidade, sinceridade. Naturam expellas furca, tamen usque recurret (Ep. I, 10, 24): chassez le naturel, il revient au galop, traduzirá Boileau. Em literatura, como na vida – são tão diferentes assim? – Horácio é o mesmo, o mesmo juízo, o gênio do bom senso. Aqui, porém, não é comum, nem medíocre, é certo. Odi profanum vulgus et arceo (Carm. III, 1, 1). Temo a vulgaridade e fujo dela... E ao cabo da carreira tem a certeza de ter chegado, à meta da imortalidade, por isso mesmo, invulgar originalidade. Non omnis moriar, não morrerei completamente (Carm. III, 30, 1-6) ⁷.
Imitam-no os líricos menores da latinidade. No Renascimento e na Idade-moderna é o mestre. O "Elogio da Loucura" de Erasmo é amplificação de certas passagens de Horácio, nas "Sátiras"e nas "Epístolas". La Fontaine e Voltaire lhe são devedores contínuos. Boileau, êsse, chega à perífrase e a tradução não confessada. Si vis me flere, dolendum est primum ipsi tibi... (Ad. Pis. 102). Pour me tirer des pleurs il fault que vous pleuriez...⁸
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Uma das mais belas passagens de Camões nos "Lusíadas", severa ⁹ e justa, é aquela em que o Poeta, nas estâncias de mármore e bronze, traça uma teoria do merecimento, louvado e criado pela arte. Cipiões, Césares, Alexandros e Augustos, se bravos e fortes, compunham, entretanto, "versos doutos e venustos":
Enfim não houve forte Capitão
Que não fosse também douto e ciente
Da Lácia, Grega, ou Bárbara nação
Senão da Portuguesa tão sòmente.
Sem vergonha o não digo, que a razão
D'algum não ser por versos excelente,
É não se ver prezado o verso e rima,
Porque, quem não sabe arte, não na estima. (E. 97)
A fonte do Lusitano foi o Latino. Horácio, na Ode IX do Livro IV dos Carmes, dissera: "Helena não foi a única que arde de amor profano, vendo uns cabelos bem penteados, vestes bordadas a oiro, um fausto real e um brilhante cortejo; Teucro não foi o primeiro que sôbre um arco Cidon lançou suas flechas; Ílion suportou mais de um circo; Stenelus e o grande Idomeneu não foram os únicos que deram combates dignos de ser cantados pelas musas; antes do altivo Heitor e do ardente Déifobo, heróis tinham recebido cruéis feridas, pela defesa de castas espôsas e filhos; multidão de bravos guerreiros viveu antes de Agamenão: mas lhe faltou um poeta para consagrar sua memória e todos eles se sepultaram, sem pesar e sem nome, no eterno esquecimento. O herói, ignorado do povo, pouco difere, no túmulo, do anônimo covarde." É, pois, a poesia que proclama e dá glória. Sem o amor da arte, que assim cria os heróis, não há também poetas, e Camões conclue:
"Por isso, e não por falta de natura,
Não há também Virgílios nem Homeros;
Nem haverá, se este costume dura,
Pios Eneias, nem Aquiles feros. (...)" (E. 98)
Camões lêra o seu Horácio, como o seu Vergílio, "que sempre se lhe sabe à cabeceira" ¹⁰, e se lhe sentem, na musa, os acentos de uma ascendência que o honra e a que êle não desmerece.
A família de Horácio, a descendência espiritual, grandes e pequenos, somos porém todos nós, que, desde a escola, vimos dêle impregnados, dêsses versos que se acomodam tanto às situações da vida, que passam quasi a provérbios... Quid leges sine moribus? (Carm. III, 24, 35). Para que leis, sem os costumes? Utilitas justi propè mater et æqui, é a utilidade a mãe da justiça;o direito é o interêsse protegido (Sat. I, 3, 98).
A conversação dêsse poeta antigo, aliás, nos ensina muita cisa moderna. Coisas que diríamos nossas, atuais, já eram dêle, se eram romanas, mas é por êle que as conhecemos. Ouvi que um dos nossos mais brejeiros políticos censurava a amigo ter levado a mulher a Paris: "Trouxe pinho para a Suécia", comentava êle. Já os antigos diziam: "levar corujas para Atenas", onde elas sobravam. Mas Horácio diz textualmente, in silvam non ligna feras (Sat. I, 10, 34)... Não levarias lenha para o mato...
Aos Americanos é refrém, de imoralidade, um conselho, que, dizem, dão os pais aos filhos: make money... honestly if you can... but, make money. Já era simplesmente o mesmo conselho que Horácio verbera, no seu tempo, a certos compatriotas: Rem facias, rem, recte si possis, quocumque modo, rem... (Ep. I, 1, 65-6). Arranja dinheiro, se puderes honestamente, se não, de qualquer maneira, arranja dinheiro. Horácio moralista é, desta vez, contra, não o bom senso, mas o senso comum...
Este mestre da vida, da vida honesta e proba tinha, aliás, da Poesia, a noção de um sacerdócio. Poesia, para êle, era educação. "A criança que apenas balbucia dá à poesia seus primeiros acentos e habitua a bôca noviça a uma nobre linguagem pura; logo por doces preceitos seu coração se dispõe à virtude; a maldade é corrigida; nobres feitos são louvados; ao presente mostra as ações gloriosas do passado; consola finalmente o pobre e o aflito. Às virgens inocentes traz o casto amor. Pelos córos, leva as orações a Deus, e suplica a paz e a abundância. A poesia é soberana no céu e no inferno (Ep. II, 1, 126-131).
Porque viveu vida digna e amou e realizou a poesia sincera, a perdurável imortalidade em que seu juízo confiara: Exegi monumentum ære perennius... fiz, disse êle, mais durável monumento do que o bronze...
Fê-lo, de fato. Assim foi, assim vai sendo, e já faz dois mil anos!
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* Comemoração do bimilenário, em 1935, na Academia Brasileira (Rev. da Ac. Br., Rio, 1936, vol. V, p. 178-188)
Fonte: PEIXOTO, AFRÂNIO: PEPITAS: novos ensaios de críticas e de história. 1ª pepita: "Horácio e o Juízo", p. 7-22.
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III. NOTAS EXPLICATIVAS, por Francisco José dos Santos Braga
¹ QUINTO HORÁCIO FLACO nasceu a 8 de dezembro de 65 a.C. em Venúsia (hoje Venosa), na Apúlia (hoje Puglia), sul da Itália. Era de origem humilde (não fazendo parte da gens romana), já que filho de um liberto escravo público de Venúsia. Não deixou transparecer qualquer ressentimento em sua obra em virtude de sua origem e baixa condição social. Em companhia de seu pai, foi para Roma, onde adquiriu o sentido do ridículo e da crítica moral, sob a orientação do professor, gramático e filósofo Lucius Orbilius Pupillus (que passou à posteridade como "plagosus Orbilius") e, em seguida, para Atenas, desta vez sozinho, quando tinha 20 anos de idade. Sua chegada a Atenas (45 a.C.) se deu um ano antes da morte de César. Em 44 a.C., a guerra civil estourou em Roma e M. Brutus se refugiou em Atenas, tendo levado Horácio a participar dos planos de uma guerra civil concedendo-lhe o cargo de "tribunus militum". No ano de 42 a.C., esses dois conheceram a derrota na batalha de Phillippi (Filipos) em 42 a.C.. A participação de Horácio nesses acontecimentos custou-lhe caro, pois, embora beneficiado pela anistia concedida pelo Segundo Triunvirato aos soldados de Brutus e Cassius, de volta a Roma viu-se despojado da casa e dos bens de seu pai, tendo conseguido comprar o posto de "scriba quaestorius", segundo seu biógrafo Suetônio. Depois do trabalho, usava suas horas livres para dedicar-se a seus escritos e encontrou na "pobreza a coragem de fazer versos". Seus primeiros versos foram escritos em grego e é considerado o maior poeta latino em cultura grega. Sua produção poética apresenta uma unidade fundamental que reflete a concepção de arte e da vida do autor e pode assim ser admirada através dos seguintes estilos que Horácio dominou integralmente: epístolas (sendo a mais famosa delas a "Epistola ad Pisones", conhecida por Arte Poética), epodos, sátiras ("sermones") e odes (que Afrânio chama "carmes").
² CECÍLIO EPIROTA, no final do século I a.C., foi um dos mestres que ministraram o ensino secundário (grammaticus em sequência ao primus magister), estabelecendo uma formação nas duas línguas (grego e latim), a saber, o grammaticus latinus ao lado do grammaticus graecus.
Teve o mérito de ter levado às salas de aula o estudo de poetas latinos seus contemporâneos, como a obra de Horácio. Após a morte de Horácio, sua poesia passou a ser usada como livro-texto nas escolas, por iniciativa de Cecílio Epirota.
Esse uso de sua poesia trouxe algumas importantes consequências. Primeiro assegurou a sua preservação até o presente, ao passo que muitos autores ficaram absolutamente desconhecidos. Segundo, impediu que copistas de época posterior fizessem qualquer séria interpolação. Por fim, levou a uma organização de suas obras em manuscritos, muito antes das posteriores edições impressas, o que trouxe evidentes resultados educacionais.
Esse uso de sua poesia trouxe algumas importantes consequências. Primeiro assegurou a sua preservação até o presente, ao passo que muitos autores ficaram absolutamente desconhecidos. Segundo, impediu que copistas de época posterior fizessem qualquer séria interpolação. Por fim, levou a uma organização de suas obras em manuscritos, muito antes das posteriores edições impressas, o que trouxe evidentes resultados educacionais.
³ C. CILNIUS MÆCENAS, descendente dos antigos reis da Etrúria, foi o célebre patrono da literatura na época de Augusto, protetor das artes e dos artistas. Seu amor pelo bem-estar e prazer o conteve daqueles ambiciosos avanços aos quais sua íntima familiaridade com o imperador — era conselheiro de Otaviano Augusto — poderia tê-lo encorajado. Por isso, nunca aspirou a qualquer dignidade maior do que a de cavalheiro, uma categoria na qual tinha nascido; e seu nome é agora é bem mais conhecido como "o" patrono de Virgílio e Horácio, do que como o favorito de Augusto. Em 32 a.C., Mecenas presenteou Horácio com uma "villa" situada na Sabina, perto de Tibur (hoje Tivoli), no vale de Digentia (hoje Licenza). Essa propriedade, com sua casa de campo, longe da tumultuosa vida em Roma, foi para Horácio fonte de inspiração para a feitura de muitos de seus belos poemas. Passou a considerar-se um autêntico "rato do campo" ("mus rusticus") em contraposição ao que tinha sido até então: rato da cidade ("mus urbanus"), assunto que lhe deu inspiração a Sátira VI do livro II.
⁵ A referência está incorreta, devido possivelmente a erro tipográfico. O correto é (Ep. I, 7, 97), verso que encerra a Epístola 7 do Livro I de Epístolas. Outra tradução possível pode ser: "É sábio medir-se cada um por seu módulo e pelo seu pé" ou "É razoável que cada um se meça por sua própria régua e por seus valores morais".
⁶ Certamente ocorreu algum erro tipográfico nesta altura, por ter sido omitida a citação latina de Horácio: Privatus illis census erat brevis, / commune magnum...
⁷ Aqui Horácio promete a imortalidade a seus versos e fama duradoura a si mesmo como primeiro e o maior dos poetas líricos de Roma. Esta ode XXX constitui o epílogo do Livro III das Odes horacianas. O primeiro verso dessa ode se impôs como um dos mais importantes provérbios latinos: Exegi monumentum ære perennius (Ergui um monumento mais perene do que o bronze), referindo-se à própria obra literária.
⁸ Se queres que eu chore, começa tu também por chorar. (Conselho de Horácio, na Arte Poética, ao ator dramático, citado por todos os autores de retórica e eloquência.) Ao final, lê-se tradução de Nicolas Boileau.
⁹ Afrânio Peixoto utiliza apenas a estrofe nº 97 e a segunda metade da estrofe nº 98 do Canto V de "Os Lusíadas" para expressar como Camões considerava essencial o cultivo das letras pelos heróicos comandantes de todos os tempos. [SILVA RIBEIRO, 2015], em artigo na Revista Militar (de Lisboa), assim interpreta o teor da referida estrofe:
"Nestes versos, Camões acrescenta, com desilusão e queixume, que, na Antiguidade, os grandes capitães romanos, gregos ou bárbaros, para além de guerreiros épicos, eram também instruídos ou dados às letras (doutos) e sabedores (cientes), o que apenas não sucedia com os portugueses. Também lamenta, com embaraço, não haver muitos heróis portugueses celebrados na poesia, devido ao desprezo que os autores de feitos notáveis nutrem por ela, pois que, quem não cultiva a arte de expressão do pensamento dos poetas, não pode apreciá-la."O autor conclui que as estrofes nº 92 a 100 do Canto V d'Os Lusíadas
"permitem perceber o pensamento de Camões sobre os feitos com dimensão mundial e os heróis com estatuto universal que fazem parte da História de Portugal (...) Contudo, podiam ter sido amplamente conhecidos e celebrados, se os seus heróicos protagonistas, para além de bons combatentes, tivessem, também, gosto pela literatura e apoiassem os poetas nacionais. "Embora Afrânio Peixoto tenha omitido a estrofe de nº 98, acho importante mencioná-la na íntegra por contextualizar melhor o pensamento do vate português:
"Por isso, e não por falta de natura,
Não há também Virgílios nem Homeros;
Nem haverá, se este costume dura,
Pios Eneias, nem Aquiles feros.
Mas o pior de tudo é que a ventura
Tão ásperos os fez, e tão austeros,
Tão rudos, e de engenho tão remisso,
Que a muitos lhe dá pouco, ou nada disso." (E. 98)
¹⁰ Último verso da estrofe nº 96 d'Os Lusíadas.
IV. BIOGRAFIA CONSULTADA pelo comentarista
BRAGA, F.J.S.: 1ª Sátira (Livro I) de Horácio com comentários e breve notícia sobre sua vida e obra, disponível na Internet in http://bragamusician.blogspot.com.br/2015/09/1-satira-livro-i-de-horacio-com-breve.html
– Grego antigo é aprendido na Inglaterra para melhorar o... Inglês, disponível na Internet in http://bragamusician.blogspot.com.br/2013/09/grego-antigo-e-aprendido-na-inglaterra.html
– Humanidades, Língua Latina, Bento XVI e temas correlatos, disponível na Internet in http://bragamusician.blogspot.com.br/2013/03/humanidades-lingua-latina-bento-xvi-e.html
PEIXOTO, Afrânio: PEPITAS: novos ensaios de crítica e de história, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942, 334 p.
REVISTA MILITAR, nº 2566, novembro de 2015, colaboração de SILVA RIBEIRO, A.M.F.: "Numa mão a pena e noutra a lança", Lisboa: Europress-Editores e Distribuidores de Publicações Ltda, disponível na Internet in http://www.revistamilitar.pt/artigo.php?art_id=1060
Consulta em 18/06/2016.
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