Reminiscências
da minha infância em Del -Rei
Recordações
tenho-as muitas. Mas há sempre uma que agente guarda com mais
carinho, interesse e alcovitice. As memórias dos meus folguedos
de guri pobre e dos períodos da minha juventude, com saudades
em Del-Rei, enfim, momentos que são inesquecíveis e
que sabe, as horas mais felizes da minha vida.
Começarei pela rua em que eu morava, sem asfalto, calçada
com pedregulhos (característica de rua de cidades históricas
de minas), pouco movimento, iluminada por lâmpadas em postes de
madeira entre quais se estendiam fios de força elétrica,
que caminhões de carga elevada costumavam arrebentá-los,
deixando-nos naquele "black-out" que faria inveja à Nova
York.
Em casa, ficávamos naquela semi- escuridão,
iluminada apenas por lamparina, alimentada a querosene. Era a hora mais feliz,
a família, reunida em volta da frágil ghama da lamparina, contava
as novidades do dia-a-dia, estórias e lendas como as: "missa das
almas", chica mal- acabada", "mula sem cabeça" e outras
mais, até que o corpo, vencido pelo cansaço, dava os primeiros
sinais de sono, íamos então dormir.
Recordo-me dos jogos dos times de tampinhas, jogados
nas calçadas da nossa rua, que terminavam ou em pancadaria ou com gritos
de: - a bola! - a bola! A bola que chegava sob a manifestação de
euforia da meninada, para serenar as ânimos exaltados, era feita de pano
e meia de mulher, em certas ocasiões continha um aroma feminino de uma
irmã, talvez até da mãe (com todo respeito) de algum jogador,
delas quase sempre, subtraídas.
Começa a "renhida" pelada em meio
aos pedregulhos, com unhas arrancadas, logo amarradas com pedaços de flanelas,
e a volta imediata ao jogo era questão de honra dos garrinchas, quarentinhas,
didas, nomes dos nossos ídolos futebolistas da época, que gostávamos
de imitar. Por nós chamados de "queda" e só interrompido
por uma fatalidade do destino, ou seja, uma bolada numa vidraça. Então,
como num passe de mágica, nesses momentos, os atletas desapareciam, reaparecendo
mais tarde atrás das janelas entrefechadas, olhando a vizinha extravasando
sua fúria.
Soam-me ainda aos ouvidos os dobres dos sinos dominicais
da minha igrejinha, chamando os fiéis para a missa das oito horas da manhã,
ao término, saíamos alegremente em louca disparada em direção à sacristia,
para disputar o único jogo de camisas de listras horizontais pretas e
brancas, parecendo galinha carijó, sendo nós, por este motivo,
chamados de "carijós".
No domingo à tarde, tínhamos as seguintes
alternativas para terminá-lo; ou voltávamos para o catecismo ou
ouvíamos, inertes, a narrativa do padre Teófilo sobre os heróis
bíblicos: "Davi e Golias", "Sansão e Danila",
e "Moisés atravessando o deserto com seu povo", ou íamos
a "matenée" das duas horas trocar gibis e assistir os filmes
com nossos astros preferidos: "Gene Autry", "Roy Roger", "O
Gordo e o Magro", "O Velhinho George Hayes (Gabby)", após
o término do filme havia um momento especial: os seriados, aos quais ninguém
gostava de perder: "Cavalo sem Vagem", "Escorpião",
e outros mais, que no momento não me lembra.
Com o tempo, tudo isso foi acabando, a cidade progredindo,
tornei-me um rapaz, fui servir ao exército e por circunstâncias
contrárias à vontade minha, numa noite fria de junho, com os olhos
marejados pelas lágrimas, eu disse adeus à minha terra, à minha
gente, ao meu amor, ao meu maior tesouro: minha mãe e vim em busca do
eldorado tão sonhado, São Paulo.
Parafraseando em trecho da música de Ataúlfo
Alves, ponho fim a esta crônica: "Como eu era feliz e não sabia".
"Perdão
se quando quero
Contar a minha vida.
É a terra o que conto.
Esta é a terra
Cresces.
Se se apagar em teu sangue
Se apagas".
(Pablo Neruda)
Obs: Del-Rei é a cidade de São João Del Rei
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