FILHO ILUSTRE DE MATOSINHOS

Rogério Medeiros Garcia de Lima (Sanjoanense, Juiz Diretor do Foro Eleitoral de Belo Horizonte e professor universitário)

“Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naquele cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais...” ( Rubem Alves, A Alegria de Ensinar )

Faleceu, no último dia 23 de maio, o professor Paulo Neves de Carvalho. Minas Gerais perdeu uma das maiores figuras das letras e do Direito. Dedicou os seus 84 anos de vida a ensinar a disciplina Direito Administrativo na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais e em várias outras instituições de ensino superior. Nos anos 1940, ganhou bolsa para cursar pós-graduação na Universidade da Califórnia, Estados Unidos. Lá permaneceu por quatro anos, como professor convidado. Era dotado de excepcional inteligência e foi professor integral. Na galeria de antigos alunos, figuram magistrados de diversos tribunais brasileiros, renomados advogados e brilhantes professores. Ocupou diversos cargos públicos, com destaque para o de secretário de Estado da Administração, nos anos 1960. Orientou a elaboração da Constituição Mineira de 1989, em cujo texto vislumbramos os lampejos da sua iluminada inteligência

Paulo Neves de Carvalho nasceu no bairro de Matosinhos, em São João del-Rei, no dia 20 de dezembro de 1919. Seu pai era ferroviário. Moravam no local onde hoje se situa o SENAI. Quando contava cinco anos de idade, a família mudou-se para Belo Horizonte. O pai faleceu precocemente. A mãe, de origem espanhola, lutou com muita dificuldade para criar os filhos. O menino Paulo ajudava a genitora no pequeno bar que ela mantinha, situado no bairro Horto. Ao mesmo tempo, estudava com afinco. Galgou os maiores níveis do saber. Também lecionou nos cursos ginasial e secundário

O saudoso mestre foi meu orientador da tese de doutorado, defendida perante banca da Faculdade de Direito da UFMG em 18 de maio de 2001. A tese transformou-se no livro O Direito Administrativo e o Poder Judiciário , publicado com prefácio do orientador. Ele tinha especial estima por mim, sobretudo pelo fato de sermos ambos sanjoanenses. Eu lhe retribuía igual estima e maior admiração

No dia da defesa da minha tese de doutoramento, presentes os meus pais, familiares e diversos amigos sanjoanenses, Paulo Neves repetia, alto e bom som, ser filho do maior e melhor bairro de São João del-Rei: Matosinhos. Com razão, orgulhava-se muito da sua origem

Paulo Neves encantava os discípulos pelos profundos conhecimentos jurídicos e a vasta cultura geral. Foi inigualável lapidador de espíritos. Era um poeta do Direito. Não gostava dos juristas amarrados às letras frias das leis. Os juizes e advogados - dizia - têm de estar sintonizados com o ideal de justiça e os valores dominantes na sociedade

Pedro Nava exaltava antigos professores da Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, onde se formou em 1927. Segundo o memorialista mineiro, o homem decente que está ensinando, mesmo sem saber, transmite a sua decência aos jovens que estão aprendendo. Isso é Paulo Neves, sem rótulos. Seus alunos são a expressão viva dos sonhos e ideais que acalentou

Durante palestra proferida no ano de 2000, o ilustre filho de Matosinhos criticou o descompasso do Direito ensinado nas faculdades com a realidade da vida. No entanto, previu a chegada de tempos de fartura e justiça social. Não estaria mais entre nós para vivê-lo. Mas - finalizava - “é preciso sonhar e viver o sonho, com determinação”

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