ZÉ PEREIRA:
imagem alegórica do carnaval de outrora
Ulisses
Passarelli
Um
antigo refrão carnavalesco, assaz conhecido, atesta a inocuidade
desta manifestação folclórica: Viva o Zé Pereira,
que a ninguém faz mal ... Como de fato a afirmação é legítima.
As mudanças sociais é que fizeram mal ao Zé Pereira.
A dinamicidade tremenda do carnaval o consumiu.
Este bloco carnavalesco é um folguedo alegre,
barulhento, de irresistível ritmo firmado na percussão de frenéticos
tambores - dentre bumbos, zabumbas, surdos, caixas e treme-terras, ou vem animado
por uma charanga. Nele se misturam mascarados tradicionais, gente fantasiada
de bichos e de bonecos gigantes.
De origem portuguesa, atesta o pesquisador Luís
da Câmara Cascudo ser o "Zé P'reira" natural do norte
e das Beiras, aparecendo também nas festas dos oragos locais e nas romarias.
Foi introduzido no Brasil primeiramente no Rio de Janeiro oitocentista. A novidade
fixou-se e rapidamente se espalhou atingindo outros Estados e ganhando cores
locais: Vila Velha (ES), Pelotas (RS), São Bento do Sapucaí (SP),
Parati e Vassouras (RJ), Ouro Preto e Prados (MG), etc. De muitos lugares desapareceu,
sendo hoje raríssimo. Persiste animado em Rio Novo e autêntico em
Ritápolis, cidades mineiras. Com toques estilizados, adentrou nas grandes
sociedades carnavalescas de rua e de salão.
Em São João del-Rei marcou época.
Na primeira década do século XX até um pouco depois, vários
destes grupos desfilavam pelas ruas, vindos de diversos bairros, encontrando-se
na avenida e nutrindo certa rivalidade. O Bairro do Senhor dos Montes ficou célebre
pelo seu grupo. Um dos registro do prof.Sebastião Cintra, nas "Efemérides
de São João del-Rei", noticia que em 1901, no sábado
de carnaval, percorreram a cidade os barulhentos Zé Pereiras. O jornal
são-joanense "O Repórter" registrou-os. A edição
n.4, de 25/02/1906 atesta que desde domingo passado que os préstitos do
immortal Zé Pereira, tem se succedido, cada qual mais chibante e apparatoso
disputando a victoria pelo chic, e numero de socios, uns ostentando asseiados
carros, vistosos animaes e outros a pé, sempre em alegria cresente e animadora,
fazendo crer que hoje e nos seguintes dias, proprios, mais se enthusiasmarão,
honrando e homenageando o deus Momo. Já na edição n.96,
de 10/2/1910, em meio a severas críticas à desorganização
e desânimo do carnaval daquele remoto ano e aos exageros do entrudo, há este
lamento: Nem ao menos o zabumbar de um Zé Pereira, animado, tão
comum em outras localidades de menor importância, tivemos este ano.
Mas ainda durou um tempo. Depois sumiu. Só ficou
na memória do são-joanense. Parece que do seu esfacelamento surgiram
subsídios para os Blocos de Sujos. Mas averiguar isto exige pesquisa própria.
E qual não foi a surpresa quando em 14/02/2000, a edição
n.1101 do jornal-mural "Amanhecer", desta cidade, anunciou:
Zé Pereira domingo de carnaval... concentração 13
horas no Largo do Rosário. Bonecos gigantes e boi-bumbá.
Parabéns ao Neném Quati e sua turma. Era a força
espontânea da memória coletiva brotando novamente! E saiu
o Zé Pereira, descendo da Rua das Flores (atual Maestro Baptista
Lopes) e se reunindo no Rosário, donde desceu pela avenida central
com autenticidade numa memorável e calorenta tarde, girando os
bonecões macrocefálicos na pisada certeira dos toques da
charanga.
Penso que pelo valor histórico e folclórico
este bloco merece grande atenção. Compõe uma faceta bastante
genuína do nosso maltratado carnaval de rua. E suas reminiscências
foram bases formadoras do carnaval atual. O Zé Pereira é o avô do "Lesma
Lerda".
O carnval tradicional e não só o
Zé Pereira merecem um apoio grande. Devem ser prestigiados em vez dessas
inovações escusas, cheias de modismos inúteis, que induzem
descontrole e brigas.
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