Ulisses
Passarelli
Escrevi
no último texto sobre a poluição do Ribeirão
da Água Limpa, que corta Matosinhos, e desmerece o nome que
tem no perímetro urbano. Volto a falar das águas evocando
as atenções gerais dos leitores para a consciência
preservacionista.
Com efeito, os noticiários de toda espécie avisam de tempos
em tempos sobre a diminuição das chuvas, as longas secas,
efeito-estufa, poluição dos mananciais, derrubada das matas
ciliares e destruição das minas. Assim é que o maior
problema futuro para a humanidade será a falta de água
potável. A ONU, chamando a atenção para isto decretou
2003 como o Ano Internacional das Águas e o período de
16 a 22 de março como a Semana Mundial da Água, chamando
a atenção para o fato.
Alguém poderá achar a questão distante e de exclusiva
responsabilidade governamental. Esquece-se que o cidadão tem direitos
sim, mas deveres também. Cabe a cada um de nós preservar
o que está a nosso alcance. Dou exemplos.
No centro da cidade de São João del-Rei um conhecido jogava
diariamente sua sacola de lixo doméstico dentro do canal do Córego
do Lenheiro porque o caminhão, segundo ele, passava muito cedo
e no fim do ano os lixeiros pediam por meio de envelopes contendo versinhos,
uma colaboração ($) para o Natal em suas famílias.
E ainda porque na beira do passeio, cachorros vadios rasgavam o saco
de lixo. Com dificuldades foi convencido a mudar de atitude. Passou a
colocar num destes suportes de ferro que deixam o lixo suspenso. Mas
uns vândalos de madrugada, voltando do baile, quebraram o suporte
e o homem voltou a jogar lixo no córrego.
Na "enchente das abóboras" deste ano (dezembro-janeiro)
o rio estava bem cheio e vim à margem ver o torvelinho das águas
e me admirei com o lixo que ali descia entre moitas de aguapés
e galhadas. Eram isopores, garrafas, sacolas repletas de lixo e até um
grande tubo de imagem de televisão. Frascos nem se fala. Tantos
que resolvi contá-los. Postado numa pedra junto à vargem,
em Santa Cruz de Minas, contei em quinze minutos, deste observatório
fixo, 64 frascos plásticos descendo à minha frente, entre
recipientes de refrigerantes ("pet" - o campeão!), água
mineral, óleo de cozinha, pesticida, produtos de limpeza e de
beleza, óleo automotivo e álccol. Uma pequena projeção:
com o rio cheio, nesta proporção, seriam 256 frascos em
uma hora; em um dia, 6144! O plástico na natureza demora mais
cem de anos para se degradar.
Me lembro de ter visto a um ou dois anos um sofá velho jogado
no leito do Água Limpa junto à "Ponte do Atletic" (Ponte
Presidente João Pinheiro), na entrada de Matosinhos.
Logo acima, debaixo da Ponte Beltrão, dizia-me um senhor, houvera
outrora uma fonte de água mineral magnesiana que derramava para
o Água Limpa. Desapareceu sem proveito, contaminada.
O problema é antigo. em 1931 a imprensa já alertava. O
jornal são-joanense A Tribuna, edição nº 1066,
de 29/03/1931, sob o título "Água Potável" admoesta: É necessário,
que a Prefeitura lance suas vistas para o mais precioso líquido,
absolutamente indispensável a nossa existencia, que tanto o exige
puro. Já na edição nº1070, de 3/5/1931, o mesmo
jornal denunciava sob o título "Falta de água em Mattosinhos" :
Alguns habitantes daquelle importante bairro de nossa cidade, pedem-nos
levemos ao conhecimento do sr. Prefeito a notavel falta de água
d'ali, que elles vêm de ha muito reclamando, sem ser ouvidos. Como
diz o Eclesiastes, não há nada de novo debaixo do sol.
Tive oportunidade de falar sobre a esquistossomose em Matosinhos. O caramujo
que hospeda o agente transmissor é o Biomphalaria glabrata que
habita naturalmente nossos cursos d'água. Em 1978, com a vinda
da Ferrovia do Aço, estabeleceu-se junto ao Água Limpa
um acampamento de operários nordestinos num sítio sem condições
sanitárias. Suas fezes contaminadas levaram para o ribeiro as
larvas do Schistossomas mansoni, verme platelminto trematódeo
causador da tal doença, a popular "barriga d'água" e
infestaram os caramujos até então puros. Resultado: o Ribeirão
da Água Limpa, o seus afluentes Cala-boca e Lenheiro e parte do
Rio das Mortes ficaram como área de risco da doença, com
dezenas de vítimas parasitadas. São as informações
que constam na Gazeta de São João del-Rei, nº 14,
de 17/10/98. Em 1983 iniciou o combate ao mal e até hoje as populações
ribeirinhas de Matosinhos sofrem com o problema.
Numa cidade com o potencial de água como a nossa é inadmissível
a sua falta no abastecimento público. Somos privilegiadíssimos.
Não pode continuar este desrespeito. E termino como no artigo
anterior, repitindo que nossa cidade tira nota zero em ecologia. E não
há luz no fim do túnel...
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