Ulisses
Passarelli
O
Ribeirão da Água Limpa corta de ponta a ponta o Bairro
de Matosinhos. Suas nascentes estão mediando 1000 e 1100 metros
de altitude, entre as grotas que dividem os morros mamilonados do
sul do município, no distrito de Emboabas, criando aquela
paisagem de "mar de morros", cobertos ora de campos, ora
de cerrados, com capoeiras nos entremeios. Também algumas
fontes estão nos brejos de altitude, as populares "noruegas",
com argila cinzenta, apropriada à cerâmica artesanal.
Fonte boa para captação de águas para abastecimento
público, vai gradativamente engrossando em volume pela convergência
dos afluentes, cujos principais podem ser assim enumerados em direção à cidade:
-
na margem direita: Córrego Porteira de Chave, Córrego
Poço Fundo, Córrego da Ponte, Córrego das Galinhas;
- na margem esquerda: Córrego Retirinho, Córrego do Açude,
Córrego Laranjeiras, Córrego das Amoras, Córrego
do Morro Grande, Córrego do Cala-boca, Córrego do Lenheiro.
Dos
sub-afluentes destacam-se o Córrego Bandeira (que conflui
para o Retirinho), o Córrego Candinho (unindo-se ao Laranjeiras),
o Córrego do Português (com barra no do Morro Grande)
e dentro da cidade, Córrego das Águas Férreas,
Rio Acima, Córrego do Segredo, Córrego da Caieira e
Córrego da Bela Vista, convergindo para o Lenheiro. Dentre
outros sub-afluentes e afluentes de sub-afluentes.
Aliás, muita gente confunde pensando que o Ribeirão da Água
Limpa desemboca no Lenheiro, mas é o contrário, pois este
tem bem menos volume que aquele. O trecho urbano de ambos foi muito alterado,
tendo suas caixas remexidas por mineradores outrora (haja vista a famosa
Lavra do Canal) e por tratores hoje: canalizações, desvios,
aterros e os malfadados emissários de esgoto.
Todas estas águas se reunem para juntar-se ao Rio das Mortes em
sua margem esquerda, nos fundos da sede do América Futebol Clube.
Em seu trecho rural ainda pode-se ver que o nome deste ribeiro é justo.
Suas águas justificam a escolha, pois são límpidas.
Forma em certos lugares piscinas naturais muito aprazíveis para
o banho, como no lugar chamado Três Poços, no Capivara e
na Segunda Ponte (a ponte que cruza a BR-265 sobre ele). Mas já vai
ficando perigoso nadar aí, posto que, as péssimas situações
sanitárias do subúrbio de Matosinhos fizeram com que fosse
todo infestado pela esquistossomose.
Também não é para menos. Desde que adentra na retaguarda
do Grande Matosinhos, recebe toda sorte de dejetos, sem nenhum tratamento,
que emporcalham suas águas. A vinte anos o lugar chamado Ouro
Preto e Árvore de Óleo, perto da junção com
o Cala-boca, com rara beleza, era preferido para o sadio divertimento
aquático. O lugar dá hoje pena de ser visitado, pois ali
as águas antes esverdeadas sobre o fundo pedregoso são
agora cinzentas de putriqueiras. Lixo, desmatamento, com barrancos nus
e desmoronando - por conseguinte assoreando. Exploração
desordenada de areia e cascalho. Ocupação sem planejamento
das margens, com desrespeito ambiental. Para não contar outros
problemas sociais ali existentes.
Chegam-lhe as águas podres do Córrego das Galinhas, que
divide o Pio XII do Bom Pastor e cujos projetos de canalização
e saneamento já deram "panos para as mangas".
Assim vai atravessando o Grande Matosinhos. O turista no trenzinho atravessa-o
no notório pontilhão de ferro e tem uma dupla visão
negativa da cidade: embaixo o "Água Limpa" e à direita
o matadouro esfacelado e inútil.
E como num golpe de misericórdia, ao pé da ponte junto à rodoviária
onde nos chegam os turistas, recebe as imundícies do Lenheiro,
que traz o esgoto de quase toda a cidade. E abaixo ainda pega de um lado
e outro pequenas águas canalizadas em manilhas, invariavelmente
contaminadas.
Fedentina, urubus, sacolas de lixo, entulhos nas margens, enxentes que
poderiam ter bem menor proporção na invasão das
casas, ausência de árvores, de urbanização,
proliferação de mosquitos, verminoses e outras doenças,
desaparecimento dos peixes (até piracanjuba [Triurobrycon lundii]
tinha outrora neste ribeirão), diminuição do fluxo
d'água (vinham de canoa até a confluência do Lenheiro):
eis o triste panorama do "Ribeirão da Água Suja".
Nossa cidade tira nota zero em ecologia. E não há luz no
fim do túnel...
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